Por: Martinho Lutero líder da Reforma Protestante. (500 anos de Reforma Protestante! )
O texto epistolar não parece ser difícil;
está claro. Apresenta em Estêvão um exemplo da fé de Cristo. Pouco comentário é
necessário. Faremos um breve exame. O primeiro princípio que ensina é que não
podemos assegurar o favor de Deus erguendo igrejas e outras instituições. Estêvão deixa este fato evidente com sua citação de Isaías.
Contudo, não
devemos ser levados a concluir que é errado construir e aparelhar igrejas. Mas
é errado ir ao extremo de perder a fé e o amor na execução do empreendimento,
presumindo com isso que fazer boas obras merece o favor de Deus. Resulta em
abusos que impedem toda a moderação. Todo canto e recanto está cheio de igrejas
e conventos, independente do objetivo que temos em construir igrejas.
Não há outra
razão para construirmos igrejas senão proporcionarmos um lugar onde os
cristãos se reúnam para orar, ouvir o Evangelho e receber os sacramentos, se é
que há uma razão. Quando as igrejas deixam de ser usadas para esse propósito,
devem ser demolidas, como o são os outros edifícios quando não servem para
mais nada. Como é agora, o desejo de todo indivíduo no mundo é estabelecer a
própria capela ou altar, até a própria missa, com vistas a garantir a
salvação, de comprar o céu.
Não é
deplorável e miserável erro e ilusão ensinar pessoas inocentes a depender de
suas obras para a grande depreciação de sua fé cristã? Melhor destruir todas as
igrejas e catedrais do mundo, queimá-las até virarem cinzas — é menos
pecaminoso mesmo quando feito por malícia —, do que permitir que uma alma seja
enganada e se perca por tal erro. Deus não deu mandamento especial concernente
ao edifício das igrejas, mas emitiu seus mandamentos cm referência à nossa alma
— suas igrejas reais e peculiares. Paulo diz concernente a elas: “… sois o
templo de Deus. […1 Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá” (1
Co 316,17).
Eu continuo
afirmando que no interesse de exterminar o erro mencionado, seria bom derrubar
de vez todas as igrejas do mundo e utilizar habitações comuns ou lugares ao ar
livre para pregar, orar e batizar, e para todas as exigências cristãs.
Há
especialmente justificação para fazer isso, por causa da razão desprezível que
os papistas dão para construir igrejas. Cristo pregou por mais de três anos,
mas por apenas três dias no templo em Jerusalém. O restante do tempo, Ele
falou nas escolas dos judeus, no deserto, nas montanhas, em barcos, nas festas
e, quando não, em habitações particulares. João Batista nunca entrou no
templo; ele pregou pelas cercanias do rio Jordão e em todos os lugares. Os
apóstolos pregaram nos mercados e ruas de Jerusalém no dia de Pentecostes.
Filipe pregou ao eunuco numa carruagem. Paulo pregou ao povo à beira de um rio,
na cadeia em Filipos e em várias casas particulares. De fato, Cristo ordenou
que os apóstolos pregassem em casas particulares. Tenho para mim que os
pregadores mencionados eram igualmente bons como os de hoje.
Agora vocês
percebem por que os raios caem com mais freqüência nas suntuosas igrejas
papistas do que em outros edifícios. Aparentemente, a ira de Deus repousa
sobretudo nelas, porque ali são cometidos mais pecados, são ditas mais
blasfêmias e é feita mais destruição de almas e de igrejas do que em bordéis e
antros de ladrões. O guarda de um bordel público é menos pecador que o
pregador que não entrega o verdadeiro Evangelho, e o bordel não é tão ruim
assim como a igreja do falso pregador. Mesmo se o proprietário do bordel
prostituísse diariamente virgens, esposas religiosas e freiras — por mais
terrível e abominável que sejam tais coisas —, ele não seria pior nem causaria
mais dano que esses pregadores papistas.
Isto os
surpreende? Lembrem-se de que a doutrina do falso pregador não causa nada mais
que dia-a-dia desviar e violar almas recém-nascidas no batismo — cristãos
jovens, almas tenras, noivas virgens, puras e consagradas a Cristo.
Considerando que o mal é feito espiritualmente e não fisicamente, ninguém o
observa; mas Deus está incomensuravelmente descontente. Em sua ira, Ele clama
através dos profetas em termos inconfundíveis: ‘Tu, meretriz, que convidas
todo transeunte!” Deus tolera tão pouco a pregação falsa, que Jeremias em sua
oração faz esta reclamação: “Forçaram as mulheres em Sião; as virgens, nas
cidades de Judá” (Lm 5.11). Agora, a virgindade espiritual, a fé cristã, é
imensuravelmente superior à pureza tísica; pois ela sozinha pode ganhar o céu.
Então, amigos
amados, sejamos sábios; a sabedoria é essencial. Verdadeiramente nos
conscientizemos de que somos salvos pela fé em Cristo e somente por ela. Este
fato foi suficientemente manifesto. Então. que ninguém confie em suas próprias
obras. Engajemo-nos em nossa vida apenas em obras que tragam proveito ao
próximo, sendo indiferentes à vontade e instituição, e encetamos nossos
esforços para melhorar o pleno curso da vida do próximo.
Está escrito
que uma mulher piedosa, Elizabete, ao entrar certa vez num convento c ver na
parede uma excelente pintura retratando os sofrimentos de nosso Senhor,
exclamou: “O custo desta pintura deveria ter sido reservado para o alimento do
corpo; os sofrimentos de Cristo devem ser pintados no coração”. Quão
violentamente esta declaração religiosa é dirigida contra as coisas em geral
consideradas preciosas! Falasse Elizabete hoje assim, com certeza os papistas a
queimariam por blasfemar contra os sofrimentos de Cristo e por condenar as
boas obras. Ela seria denunciada como herege, embora seus méritos
ultrapassassem os méritos de dez santos juntos.
Estêvão não
só rejeita as concepções dos judeus com respeito a igrejas e sua construção,
mas também denuncia todas as suas obras, dizendo que eles receberam a Lei pela
disposição de anjos e não a guardaram. Então, os judeus, em troca, reprovam
Estêvão como se ele tivesse falado contra o templo e, além disso, blasfemado da
Lei de Moisés e ensinado obras estranhas. Com efeito. Estêvão não poderia
tê-los corretamente acusado de fracassarem em observar a Lei na medida em que
obras exteriores são consideradas. Pois eles eram circuncidados e observavam as
leis com respeito a alimentos, roupas, festas e todos os mandamentos de Moisés.
Foi a consciência de terem observado a Lei que os levou a apedrejá-lo.
Mas as
palavras de Estêvão foram instigadas pelo mesmo espírito que moveu Paulo,
quando ele disse que pelas obras da Lei ninguém é justificado aos olhos de
Deus. sendo somente a fé a justificadora. Onde o Espírito Santo não está
presente para conceder graça, o coração do homem não pode favorecer a lei de
Deus; ele preferiria que a lei não existisse, logo indivíduo está consciente de
sua própria apatia e aversão ao que é bom, e de sua prontidão em fazer o mal.
Como Moisés diz: “… a imaginação do coração do homem é má desde a sua
meninice…” (Gn 8.21).
Quando
Estêvão declara que os judeus sempre resistem ao Espírito Santo, ele implica
que pelas obras eles tornam-se presunçosos, não ficam inclinados a aceitar a
ajuda do Espírito e relutam que suas obras sejam rejeitadas como ineficazes.
Sempre trabalhando para satisfazer as demandas da Lei, mas sem cumprir sua
mínima exigência, eles permanecem hipócritas até o fim. Pouco dispostos a
abraçar a fé por meio da qual realizariam boas obras, e a graça do Espírito que
criaria um amor pela Lei, eles tornam impossível sua observância livre e
espontânea. Mas o observador voluntário da Lei, e nenhum outro, Deus aceita.
Estêvão chama
os judeus de “homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvido”, porque
recusam ouvir e entender. Eles clamam continuamente: “Boas obras, boas obras!
Lei, Lei!”, embora não efetuando a menor delas. Exatamente dessa forma agem os
papistas. Como os antepassados, assim fazem os descendentes, a massa desta geração;
eles perseguem os justos e se gloriam de o fazerem por amor a Deus e sua Lei.
Agora temos a substância desta lição. Mas vamos examiná-la um pouco mais.
Em primeiro
lugar, vemos na conduta de Estevão, amor a Deus e aos homens. Ele manifesta seu
amor a Deus censurando os judeus séria e duramente, chamando-os de traidores,
assassinos e transgressores de toda a Lei, sim. teimosos, e dizendo que
resistem ao cumprimento da Lei e resistem também ao próprio Espírito Santo.
Mais do que isso, ele os chama de incircuncisos de coração e ouvido”. Como ele
poderia tê-los censurado mais severamente? Tão completamente ele os despoja de
toda coisa respeitável, que parece ter sido movido por impaciência e ira.
Mas a quem o
mundo hoje toleraria, se alguém tentasse fazer tal censura dos papistas? O amor
de Estêvão a Deus o constrangeu a seu ato. Ninguém que possui o mesmo grau de
amor pode ficar calado e calmamente permitir a rejeição dos mandamentos de
Deus. Ele não pode disfarçar. Tal indivíduo tem de censurar e reprovar todo
opositor de Deus. Ele não pode permitir tal conduta, mesmo arriscando a vida
para reprová-la.
Temos de
deduzir do exemplo de Estêvão que aquele que caladamente ignora a transgressão
dos mandamentos de Deus ou qualquer pecado não tem amor a Ele. Então como é com
os hipócritas que aplaudem a transgressão, os caluniadores e os que riem e
avidamente ouvem e falam sobre as faltas dos outros?
Já tivemos
ocasião de declarar que Estêvão era leigo, um cristão comum, não um sacerdote.
Mas os papistas cantam seus elogios como levita, que no altar lia a Epístola ou
a lição do Evangelho. Os papistas pervertem totalmente a verdade. É-nos
necessário, então, saber o que Lucas diz. Ele conta como os cristãos no começo
da Igreja em Jerusalém tornaram todas as suas possessões propriedade comum, e
os apóstolos distribuíram a cada membro da congregação conforme a necessidade.
Mas, como aconteceu, as viúvas dos judeus gregos não eram supridas como o eram
as viúvas hebréias; por conseguinte, houve reclamações. Os apóstolos, vendo
como o dever de prover a subsistência destas coisas seria tão penoso quanto a,
em certa medida, interferir com seus deveres de pregar e orar, reuniram a
multidão dos discípulos e disseram: “Não é razoável que nós deixemos a palavra
de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei, pois, irmãos, dentre vós. sete varões de
boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos
sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério
da palavra” (At 6.2-4).
Assim
Estêvão, juntamente com os outros seis, foi escolhido para distribuir os bens.
Daí vem a palavra “diácono”, servo ou ministro. Esses homens serviam a
congregação, ministrando suas necessidades temporais.
Está claro
que Estêvão era mordomo ou administrador e guardião dos bens temporais dos
cristãos; seu dever era administrá-los aos que estavam em necessidade. No
decurso do tempo, seu ofício foi pervertido na função do sacerdote que lê a
Epístola e as lições do Evangelho. O único traço que restou do ofício de
Estêvão é a leve semelhança encontrada no dever dos prepósitos das freiras, e
no dos administradores de hospitais e dos guardiões dos pobres. Os leitores da Epístola e seleções do Evangelho deveriam ser, não os consagrados, os
tosquiados, os portadores das dalmáticas e polidores de carruagens no altar,
mas os leigos comuns e religiosos que mantêm um registro dos necessitados e têm
o encargo do capital comum para distribuição conforme requer a necessidade.
Esse era o verdadeiro ofício de Estêvão. Ele nunca sonhou em ler as epístolas
e evangelhos, de solidéu e dalmática. Tudo isso são dispositivos humanos.
Quanto à
possível questão sobre a permissão de um leigo pregar ou não: Embora Estêvão
não fosse designado a pregar — os apóstolos, como declarado, reservaram esse
ofício para si mesmos —, mas a executar os deveres de mordomo, não obstante,
quando foi ao mercado e se misturou entre o povo, ele imediatamente criou
alvoroço fazendo sinais e maravilhas, como diz a epístola, chegando até a censurar os governantes. Caso estivessem o papa e seus seguidores presentes, eles
certamente o teriam inquirido sobre suas credenciais — o passaporte da igreja e
o caráter eclesiástico. E se ele estivesse sem solidéu e um livro de orações,
indubitavelmente teria sido entregue às chamas como herege, visto que não era
sacerdote nem clérigo. Estes títulos, que as Escrituras outorgam a todos os
cristãos, os papistas apropriaram-se para si mesmos, denominando todos os
outros de “o laicato” e a si mesmos de a
igreja”; como se o laicato não fizesse parte da Igreja. Ao mesmo tempo, estas
pessoas de refinamento e nobreza jactanciosos não cumprem em uma única ocasião
o ofício ou trabalho de sacerdote, de clérigo ou da igreja. Eles estão senão a
tapear o mundo com seus dispositivos humanos.
O precedente
de Estêvão é válido. Seu exemplo dá a todos os homens a autoridade de pregar
onde quer que encontrem ouvintes, quer seja num edifício ou no mercado. Ele não
limita a pregação da Palavra de Deus a solidéus e batas longas. Ao mesmo tempo,
ele não interfere com a pregação dos apóstolos. Ele atende os deveres do seu
ofício e fica prontamente calado onde é o lugar dos apóstolos pregar.
Em segundo
lugar, a conduta de Estêvão é um belo exemplo de amor ao semelhante por não
usar de má vontade até mesmo para com seus assassinos. Não obstante, em seu
zelo pela honra de Deus, ele os reprova severamente, tal é o sentimento humano
que tem por eles. E mesmo na agonia da morte, tendo feito provisão para si
entregando o espírito a Deus, ele não tem outro pensamento sobre si mesmo, mas
manifesta sua preocupação para com eles. Sob a influência desse amor, ele
rende o espírito. Não impremeditadamente Lucas coloca a oração de Estevão por
seus assassinos no fim da narrativa. Notem, também, que quando ora por si mesmo
e entrega o espírito a Deus, ele está de pé, mas ao orar por seus assassinos
ele se ajoelha. Além disso, ele clamou em alta voz quando orou por eles, o que
não fez por si mesmo.
Quanto mais
fervorosamente ele orou por seus inimigos do que por si mesmo! O quanto seu
coração deve ter ardido, os olhos inundado e o corpo inteiro agitado e movido
pela compaixão quando viu a miséria dos seus inimigos! É opinião de Agostinho
que Paulo foi salvo por esta oração. E não é desarrazoado acreditar que Deus de
fato a ouviu e que desde a eternidade Ele previu um grande resultado
desta dispensação. A pessoa de Paulo é evidência da resposta de Deus à oração
de Estêvão. Isso não pode ser negado, embora nem todos possam ter sido salvos.
Estêvão
escolhe habilmente as palavras, dizendo: “Senhor, não lhes imputes este pecado”
(At 7.60), ou seja, não faça que os pecados deles
sejam irremovíveis, como um pilar ou fundação. Por estas palavras. Estêvão faz
confissão, arrepende-se e compensa o pecado no interesse dos seus assassinos.
Suas palavras implicam: “Senhor amado, é verdade que eles cometem pecado, que
fazem um mal. Isso não pode ser negado”. Exatamente como é costumeiro no
arrependimento e confissão simplesmente lamentar e confessar a culpa. Estêvão
então ora, oferecendo-se; esta abundante compensação pode seguramente ser
feita pelo pecado.
Observem quão
grande inimigo e, ao mesmo tempo, quão grande amigo o verdadeiro amor pode ser;
quão severas são suas censuras e quão doce é sua ajuda. É como uma noz com
casca dura e semente doce. Amargo à nossa velha natureza adâmica, é sumamente
doce ao novo homem em nós.
Esta lição
epistolar, pelo exemplo dado, instila a poderosa doutrina da fé e do amor; e
mais, proporciona consolo e encorajamento. Não só ensina; encoraja e impele. A
morte, o terror do mundo, estiliza um sono; Lucas diz: “[Ele] adormeceu”, isto
é, a morte de Estêvão foi serena e indolor; ele partiu como alguém que vai
dormir, não sabendo como, e dorme inconscientemente.
A teoria de
que a morte do cristão é um sono, uma passagem tranqüila, tem fundamentos
seguros na declaração do Espírito. O Espírito não nos enganará. A graça e
poder de Cristo tornam a morte tranqüila. Sua amargura é removida para longe
pela morte de Cristo quando cremos nEle. Ele diz-. “Se alguém guardar a minha
palavra, nunca verá a morte” (Jo 8.51). Por que ele não a verá? Porque a alma,
abraçada à sua palavra viva e cheia dessa vida, não pode ter consciência da
morte. A palavra vive e não conhece a morte; assim a alma que crê igualmente
nessa palavra e vive nela não prova a morte. É por isso que as palavras de
Jesus são chamadas de palavras de vida. Aquele que nelas confia, que nelas crê,
tem de viver.
Consolo e
encorajamento são ainda mais reforçados pela afirmação de Estêvão: “Eis que
vejo os céus abertos c o Filho do Homem, que está em pé à mão direita de Deus”
(At 7.56). Aqui vemos quão fiel e amorosamente Jesus cuida de nós e o quanto
Ele está pronto a nos ajudar se nós tão-somente crermos nEle c alegremente
arriscarmos a vida por Ele. A visão não foi dada somente por causa de Estêvão;
não foi registrada para proveito próprio. Foi para nossa consolação, para
tirar toda a dúvida de nosso privilégio, a fim de gozarmos os mesmos resultados
felizes, desde que procedamos como Estêvão.
O fato de os
céus estarem abertos proporciona-nos o maior consolo e tira todo o terror da
morte. O que não nos estará aberto e pronto para nós, quando até os céus, a
suprema obra da criação, estão abertamente nos esperando e regozijando-se com
nossa aproximação? Pode ser seu desejo vê-los visivelmente abertos para você.
Mas, se todos o vissem, onde estaria a fé? Que a visão fói dada aos homens é o
bastante para consolo de todos os cristãos, para consolo e fortalecimento da fé
c para a retirada de todos os terrores da morte. Pois, assim como cremos, assim
experimentaremos, ainda que não vejamos fisicamente.
Não
prestariam os anjos, sim. todas as criaturas, ajuda voluntária quando o próprio
Senhor se levanta pronto a ajudar? Notavelmente. Estêvão não viu um anjo, nem o
próprio Deus. mas o Homem Cristo. aquEle que mais causa deleite à humanidade e
que proporciona ao homem o mais forte consolo. O homem, sobretudo quando em angústia,
dá as boas-vindas à visão de outro homem em preferência à de anjos ou outras
criaturas.
Nossos
ardilosos mestres, que mediriam as obras de Deus pela razão ou os mares com uma
colher, perguntam: “Como Estêvão pôde olhar nos céus, quando nossa visão não
discerne um pássaro quando plana em altitudes um pouco altas? Como ele pôde ver
Jesus distintamente o bastante para reconhecê-lo sem sombra de dúvida? Um homem
num campanário alto nos parece uma criança, e não podemos lhe reconhecer a
pessoa”. Eles tentam resolver a questão declarando que a visão de Estêvào deve
ter sido sobrenaturalmente estimulada, permitindo-o ver claramente no espaço
infinito. Mas suponha que Estêvão estivesse debaixo de um telhado ou dentro de
uma abóbada? Mão nos devemos ater a esta tolice humana! Paulo, quando estava
perto de Damasco, certamente ouviu a voz de Jesus proveniente do céu, e sua
audição não foi estimulada para a ocasião. Os apóstolos no monte Tabor. João
Batista, e novamente o povo — todos ouviram a voz do Pai. Não é mais difícil
ouvir uma voz a grande distância do que ver um objeto no mesmo lugar? O alcance
de nossa visão e imensuravelmente mais amplo do que o âmbito de nossa audição.
Quando Deus
deseja revelar-se, o céu e tudo o mais estão próximos. Não importa se Estêvão
estava debaixo de um telhado ou ao ar livre; o céu estava perto dele. Não se
fez necessária visão anormal. Deus está em todos os lugares; não há necessidade
de Ele descer do céu. Uma visão muito próxima de Deus, que de fato está no céu,
é facilmente possível sem o estímulo ou perversão dos sentidos.
Não importa
se compreendemos ou não como essa visão se realizou. Não é necessário que as
maravilhas de Deus sejam colocadas dentro de nossa compreensão; elas são
manifestas para induzir em DÓS a convicção e a confiança. Expliquem-me, vocês
de sabedoria jactanciosa, como a comparativamente grande maçã, ou pêra, ou cereja
pode crescer pelo talo minúsculo; ou pelo mesmo expliquem coisas menos
misteriosas. Mas deixem Deus trabalhar; creiam em suas maravilhas e não
presumam colocá-lo dentro de sua compreensão.
Quem pode
numerar as virtudes ilustradas no exemplo de Estêvão? Ali manifesta-se o fruto
do Espírito. Encontramos amor, fé, longanimidade, paz, gozo, mansidão,
benignidade, temperança e bondade. Vemos também ódio e censura de todas as
formas de mal. Notamos uma disposição em não estimar as vantagens mundanas, nem
temer os terrores da morte. A liberdade, a tranqüilidade e todas as virtudes
nobres e graças estão em evidência. Não há virtude que não seja ilustrada neste
exemplo; não há vício que não seja reprovado. Que o evangelista diga que
Estêvão era cheio de fé e poder. O poder aqui implica atividade. Lucas diria:
“Sua fé era grande; conseqüentemente, suas muitas e poderosas obras”. Pois
quando a fé existe de fato, seus frutos têm de se seguir. Quanto maior a fé,
mais abundantes os frutos.
A fé
verdadeira é um princípio forte, ativo e eficaz. Nada lhe é impossível. Não
descansa nem vacila. Estêvão, por causa da atividade superior de sua fé,
realizou não meramente obras comuns, mas fez maravilhas e sinais publicamente —
grandes maravilhas e sinais, como Lucas declara. Isto está escrito para sinal
de que o indivíduo inativo carece de fé, e não tem direito de se gloriar disso.
Não é sem propósito que a palavra t;fé”
é colocada antes da palavra “poder”. A intenção era mostrar que as obras são
evidências de fé, e que sem fé, nada de bom podemos realizar. A fé deve ser
primária em todo ato. Para esse fim, que Deus nos ajude. Amém.
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