Por Dr. José Míguez Bonino Teólogo Metodista
Deus
se propõe a criar um povo santo e este propósito chega a ser uma
realidade atual, experimentada, visível, quando homens e mulheres se
voltam para Ele com fé. Talvez se possa resumir assim a mensagem de
John Wesley. Estas são as boas novas. E são, verdadeiramente, boas
novas para os pobres da terra – para as massas miseráveis dos
deserdados que se amontoam nos novos centros industriais e mineiros,
absorvidos pela crise do nascimento do capitalismo industrial
moderno, vítimas impotentes da anomia social. Não somente eram aceitos por
Deus como também podiam ser “feitos de novo” – receber um
poder e uma dignidade efetivos, visíveis, inerentes, mensuráveis.
Podiam chegar a ser sujeitos conscientes e ativos de uma nova vida.
Suas obras contavam; sua vontade era livre. Numa sociedade em que o
triunfo se constituía no significado da vida, oferecia-se o mais
alto triunfo possível – acessível a todos mediante a fé. O
ingresso nessa realidade é a “conversão”.
A
maior parte dos estudiosos da teologia de Wesley concordam que ele
identifica conversão com regeneração. Ainda que algumas passagens
justifiquem um certa distinção, as discussões wesleyanas mais
características do tema da regeneração podem ser tomadas
legitimamente para apresentar seu conceito de conversão.
Em
geral, podemos situá-lo dentro da estrutura doutrinal clássica
protestante do ordo salautis. As ênfases distintivas de Wesley me
parecem agrupar-se em torno de dois focos: a questão da
continuidade e singularidade e a questão da “consciência” ou
“experiência” da regeneração. A Wesley apraz explicara
regeneração utilizando a analogia do “nascimento” quase em
forma alegórica. Dois fatos se destacam nessa alegoria: De um lado o
caráter decisivo da regeneração. Há um “antes” e um “depois”.
A conversão marca uma volta decisiva (conversio, no sentido
original) do pecado para Deus. Sabemos que Wesley abraçou por algum
tempo a idéia (que Pedro Bohler lhe havia ensinado) do caráter
instantâneo dessa mudança, mas logo vacilou a respeito para admitir
uma variedade de possibilidades. Mas jamais duvidou que havia uma
mudança, uma volta decisiva, uma diferença qualitativa criada por
este ato de Deus e do homem, chamado conversão ou regeneração. Mas
a analogia sublinha também a continuidade: é a mesma pessoa. Há
uma vida anterior ao nascimento – com os mesmos órgãos de
percepção e sentimento – que agora se torna atual e operosa pelo
poder do Espírito. Mais importante ainda, a analogia é ampliada
para referir-se ao permanente crescimento até a plena maturidade.
A
conversão, desse modo, olha para trás, para uma humanidade real
ainda que impotente, e olha para a frente, para uma maturidade humana
ainda que imperfeita mas cada vez mais plena (até que lhe conceda,
nesta vida ou na vindoura, uma perfeição total, a realidade
completa do amor). O próprio Wesley não relacionou de maneira
consistente a conversão à doutrina agostiniana da graça
preveniente, que ele mesmo introduzira. Mas William B. Pope – sem
dúvida o teólogo sistemático mais consistente da tradição
wesleyana até o presente século o faz de maneira que dá à
conversão um lugar próprio e distintivo, colocando-a no umbral da
nova vida, como movimento pelo qual o homem, no poder dessa graça
preveniente que em virtude da expiação que “rodeia e abarca”a
humanidade inteira é acessível a todos, coopera com a graça
salvífica de Deus,
volvendo-se
do pecado para Deus.
Neste
sentido, a conversão o ponto de encontro da busca humana e a graça
de Deus, “o pátio exterior do templo cristão”. Entretanto Pope
não limita sua interpretação ao âmbito estritamente religioso,
mas antes, olhando a conversão também sob a perspectiva ética,
afirma uma continuidade entre a operação do amor sob a graça
preveniente e a transformação que o eleva ao amor da santificação.
Por
certo que nos movemos aqui num terreno próximo a uma das possíveis
– e recentemente dominantes – interpretações da doutrina
católica romana. Mas isso não deve inibir-nos – como
sustentaremos mais adiante – de prestar atenção a este
significativo propósito. Tanto para Wesley como para Pope a
conversão corresponde mais estritamente ao começo da vida cristã,
como um “salto” decisivo inicial, diríamos “qualitativo”.
Mas ambos admitem um uso mais geral do termo para referir-se às
“crises de crescimento” da vida cristã. Esta vacilação me
parece documentar uma vez mais a dupla ênfase em singularidade e
continuidade que, tanto na esfera religiosa como ética, caracteriza
a doutrina wesleyana da conversão. O outro aspecto é a bem
conhecida ênfase na “experiência”, a consciência que acompanha
a conversão: o homem é consciente da nova situação em que se
encontra.
O
novo nascimento testemunha-se a si mesmo à consciência, com uma
auto-evidência que não necessita de provas externas, como não é
necessário que nos provem qual é a luz do sol e qual a das
estrelas. Entretanto não se trata de um mero sentimento subjetivo:
deve ser reforçado pela qualidade de vida, a disposição e a
concreta realização de atos de amor naqueles que o Espírito
testemunha sua presença e operação.
Assim,
a regeneração verifica-se a nível consciente tanto em sua dimensão
religiosa como ética. E em ambas há novidade e continuidade. Na
minha opinião, o ponto central se acha, no fim das contas, na
consciência moral, que é por sua vez confirmada e elevada a um novo
plano de autocompreensão e de realização. Se estas observações
são válidas podemos resumir a doutrina wesleyana e da conversão
tomando em conjunto os seguintes elementos:
a)
ela se situa na perspectiva da busca humana de excelência moral;
b)
gira em torno do poder capacitador da graça;
c)
culmina no aperfeiçoamento da luta moral do homem, mas não mediante
um mero crescimento quantitativo mas mediante uma mudança
qualitativa produzida pela graça de Deus;
d)
vincula a experiência ética prévia do homem ao seu subsequente
crescimento na graça, e maneira que o homem novo (regenerado) é ao
mesmo tempo a planificação e a instalação do homem velho (não
regenerado);
e)
invoca a consciência subjetiva – reivindicada pela ação
correspondente – desta transformação fundamental.
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