Deus, segundo a teologia wesleyana, é criativo, inovador, gracioso e tem compaixão. Por isso afirma-se como atributo maior de Deus o seu amor incondicional que corresponde à graça universal. O Deus trino é amor em si, mas não mantém este amor para si: ele transborda no ato da criação e nos atos da salvação com nova criação. Encontros com Deus vivificam, convertem e capacitam. Eles libertam, justificam, orientam, responsabilizam, solidarizam e santificam. Novos caminhos são possíveis. A teologia wesleyana afirma a ação antecipadora, sustentadora e renovadora de Deus em toda a sua criação. Essas convicções se expressam numa forma específica de compreender a vida do ser humano, a vida no mundo inteiro e a vida além dos parâmetros da história. Nesta concepção, Cristo, além de ser rei, sacerdote e juiz, também é o grande médico. Nesta compreensão, o Espírito Santo é o grande facilitador e capacitador da resposta humana à ação divina. Tudo isso converge para a tradição cristã, para a compreensão da economia de Deus como a sua ação salvadora, sustentadora, libertadora, a renovadora e transformadora com Pai, Filho e Espírito Santo. Ela parte da obra renovadora divina e pode ser vista como uma renovação das condições da vida estabelecidas pelos seres humanos em meio à criação. Diríamos, em diálogo com Willis Jenkins, que o impacto da oikonomia tou theou, nas três esferas, introduz o dever de estabelecer “ecologias da graça” e, além disso, “economias da graça” e um “ecumenismo da graça”.
Dessa forma, contribuiria para o discurso da sustentabilidade o aspecto da graça divina, do amor incondicional, da graça universal e da justiça incontestada. introduz o dever de estabelecer “ecologias da graça” e, além disso, “economias da graça” e um “ecumenismo da graça”. Dessa forma, contribuiria para o discurso da sustentabilidade o aspecto da graça divina, do amor incondicional, da graça universal e da justiça incontestada.O ser humano é visto, na teologia wesleyana, como capaz de
responder à ação e à presença divina na criação. Isso é descrito, às vezes,
como “sinergia” (do grego “colaboração”) entre Deus e o ser humano no caminho
da salvação. “Sinergia”, entretanto, jamais é compreendida como uma colaboração
entre Deus e os seres humanos de igual para igual (“sinergismo”). Isso já
mostra a grande apreciação da teologia da aliança na teologia wesleyana: a
ideia da aliança entre Deus e o ser humano não projeta um ser humano meramente
passivo e um Deus exclusivamente ativo. Entretanto, numa aliança, os aliados
podem ter papéis muito diferentes. Isso depende da aliança. O modelo da aliança
pode ser também aplicado para descrever a relação entre o ser humano e a
criação. Na teologia do século XIX e XX, distinguem-se diversos modelos:
• a soberania do histórico sobre a natureza (Hegel);
• a soberania humana, mesmo sendo um ano, era considerada
parte da natureza (Teilhard de Chardin);
• a soberania humana como algo que vai além da natureza;38
• o histórico como parte da natureza (Whitehead).
Em discussão está o motivo transformalista da proposta
centrada no sujeito como agente principal da transformação, a relação entre o
homo faber e o homo ecológico. O último tem, no mesmo momento, uma clara noção
de ser dependente e responsável. Esta múltipla relacionalidade poderia ser
descrita por alianças ou contratos (para com Deus e o próximo, a natureza,
etc.). O aspecto da desigualdade da aliança divino-humana – sempre mantida na
teologia clássica – pode ser talvez também relida em relação à discussão da
relação entre natureza, cultura e história, propostas criação-cêntricas e
antropocêntricos ou centradas no sujeito. Neste sentido, favorecemos o discurso
do ser humano como ecônomo, no sentido amplo, teológico, que contém os
elementos da graça e da responsabilidade como relacionalidade, não somente como
habilidade (sujeito da história). A renovação do ser humano como imagem de Deus
(distinguindo seu aspecto natural, político e moral) é um processo contínuo e
obra da graça renovadora de Deus (graça preveniente, justificadora e
santificadora). Estando em Cristo – ou relacionado a Cristo – o ser humano é
parte da nova criação (Wesley, comentando 1Co 5, 17). Essa tradução, em vez da
descrição do ser humano consciente da sua relação com Deus como “nova criatura”,
supera o antropocentrismo. Ela situa o ser humano num processo maior de
renovação da criação, cuja espera é ser liberto para a “gloriosa liberdade” ou
para “a liberdade da glória” dos filhos e das filhas de Deus (Rm 8, 19-23). O
ser humano, nessa perspectiva, não é renovado por/em ou para si mesmo. A
renovação é relacional, ela inicia, acontece e amadurece com ou em Deus e se
reflete nas mais diversas relações com toda a criação. O ser humano como parte
renovada da criação torna-se responsável para com Deus, a criação, o próximo e
consigo mesmo.
Dessa forma, os seres humanos renovados não podem viver a
sua nova identidade cristã, este dom de Deus, e ignorar os “gemidos dos
necessitados” (Sl 12, 5) ou de “toda a criação” (Rm 8, 19 e 22). Isso significaria
ignorar-se a si mesmo. Faz parte dessa criação toda a humanidade, todo o mundo
animal e todas as plantas. No meio dessa criação, na sua totalidade, nasce o
novo, a nova criação, onde as intuições do Reino de Deus criam novas formas de
relacionamentos e novas responsabilidades.
Quanto à humanidade, ela é encarregada de rever as suas
construções econômicas e sociais sobre a reflexão do seu impacto ao ecossistema
e à biosfera. À nova criação correspondem uma nova economia, um ecumenismo
renovado e uma postura ecológica inovadora.
Assim como o Deus trino “administra” os cuidados com a sua
casa (oikos), a terra e o cosmo, o ser humano é visto como “ecônomo” (em
inglês, steward = servo ou diácono) das graças recebidas por Deus. Essa nova
economia (oikonomia: literalmente, as leis da casa) inclui tanto a economia de
dinheiro e os negócios, como a forma da política aceita ou rejeitada. A
economia do Reino de Deus favorece àqueles(as) que mais necessitam da graça e
do sustento integral, questiona e rejeita formas irresponsáveis, em que o ser
humano como sujeito econômico perde de vista tanto o próximo como a criação e
Deus em termos mais amplos.
A ecumene (oikoumene: toda a terra habitada = mundo) somos
todos nós, seres humanos. A criação é o habitat da ecumene. Dizemos que em Deus
iniciou-se um processo que leva à nova criação, ao novo ecossistema, a uma
forma não alienada de se relacionar mutuamente. Parte do ecossistema é a
ecumene no sentido mais restrito. Para a teologia wesleyana, fazer parte da
ecumene de forma renovada leva a uma atitude ecumênica como maneira nova de se
relacionar com os outros seres humanos e suas instituições. Esta atitude
inovadora procura a aproximação onde se mantém distância do outro (compare
Jesus com os fariseus em relação aos(às) “pecadores(as)”, ou se promove a
segregação ou o apartheid. Em última instância, quando e até quanto possível,
procura-se estabelecer a unidade onde há divisão. Segundo Wesley, paz não é o
silêncio das armas, mas o amor para com os inimigos.
É o esforço da promoção
da justiça em habitats desfavoráveis ou até hostis a isso.
Novas relações
baseadas na busca da paz e da justiça fazem-nos reler a história de ódio,
orgulho e discriminação, reescrevendo as bases dos nossos relacionamentos para
possibilitar novas histórias. É a atitude da mão estendida, mesmo quando não
correspondida de imediato. É o novo na criação velha. Neste sentido, são muitas
igrejas metodistas, como a Igreja Metodista do Brasil, igrejas criadoras do
movimento ecumênico, como movimento de igrejas cristãs. Como todas as relações,
as relações entre igrejas cristãs precisam de contínuos cuidados para que sejam
amadurecidas. Tanto acusações de imperfeição (a outra é considerada ruim demais
para se relacionar com ela), como a desistência da busca do aperfeiçoamento
dessas relações (ninguém desafia ninguém e todos se ausentam de qualquer
crítica do outro) interrompem o processo de renovação ecumênica.
Finalmente, chegamos ao tema da ecologia. Para a teologia
wesleyana, a ecologia não é somente um aspecto da ética. Ela relaciona a vida
dos seres humanos e dos outros seres vivos com o estado da criação não viva
(limpeza de água, terra, ar etc.). A consciência ecológica é muito mais uma
consciência de interdependência, de correlação e corresponsabilidade (quanto ao
ser humano). A atuação do ser humano, quando olha somente para o seu umbigo (ou
“encurvado em si” = descrição do pecado segundo Martim Lutero), levou e
continua levando a um extermínio de milhares de seres vivos e a uma devastadora
poluição da criação. O ser humano, em vez de ser jardineiro, tornou-se a ameaça
número um da criação e de si mesmo.
Na tradição wesleyana, a nova criação e a reforma da nação
são relacionadas com a reforma da própria igreja. Meeks, por exemplo, desafia
os/as teólogos/as a não desistirem da Igreja. Segundo ele, a teologia wesleyana
trabalha com a compreensão da igreja, com um espaço privilegiado para a
antecipação do Reino de Deus. A graça, porém, como graça preveniente, iria
sempre além dos limites da própria igreja. Segundo a nossa compreensão, faz
parte da mesma tradição a resistência contra a tentação de idolatrar a igreja e
colocá-la num pedestal para não entendê-la e a seus representantes, suas
estruturas ou programas, assim, em última instância, como inquestionável (e
assim irresponsável no sentido original da palavra).
Assim parece-nos importante, para o momento das Igrejas
Metodistas da América Latina, que os/as teólogos/as se dediquem mais às suas
igrejas, explorando o seu papel, numa teologia sustentável.
A igreja é, de certo
modo, prova ou antiprova da sustentabilidade da nossa teologia, das nossas
ideias, das nossas utopias, não como sentido em si, mas como meio da graça com
sentido além de si.
A reforma da igreja, numa perspectiva da teologia
sustentável, relaciona a oikonomia theou tanto com a economia eclesiástica no
sentido da administração dos meios da graça (forma aberta ou fechada da Santa
Ceia), como no sentido do seu uso dos recursos financeiros (teologia de décimo
“legalista” ou “evangélica), ou recursos humanos (relações autoritárias ou
fraternais).
Aqui entra também a
questão da “democratização da igreja” no sentido da mútua responsabilidade (e quanto
a IM a sua compreensão da conexidade), visando ao todo sem negar o particular e
sempre vendo o conjunto, o contexto maior. Isso nos lembra da ambiguidade do
termo “sustentabilidade”. Depende da preferência para um olhar mais econômico
ou mais ecológico. Segundo a nossa intuição, a economia não deveria ser algo
como semiautonomia em relação ao social ou ao ecológico que nos leva a uma
compreensão da sustentabilidade integrada. Para as instituições metodistas,
vale o que dissemos a respeito da Igreja: sustentabilidade precisa ser vista na
perspectiva maior e além da questão da garantia do autossustento. O uso
racional e biodegradável de todos recursos necessários para a manutenção e
expansão tanto das instituições eclesiásticas e educacionais, entretanto,
continua sendo assunto central.
A reforma da igreja, numa perspectiva da teologia
sustentável, na perspectiva da oikonomia theou, não se limita às fronteiras da
família, da igreja local, da confissão, da religião. Ela pensa no horizonte da humanidade.
O amor para com a humanidade é um tema contínuo em Wesley e sua compreensão da
santidade.
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