Por Paulo Ayres Mattos, Bispo da Igreja Metodista do Brasil.
Na década de 1960, viajava de Chicago, onde estudava no Seminário Presbiteriano McCormick, para a cidade de Niagara Falls, onde vivia um antigo missionário metodista que havia vivido aqui no Brasil por alguns anos. Em uma das paradas do ônibus, fui até o banheiro. Como todo banheiro de estação rodoviária, havia muitas inscrições na parede. Uma delas me saltou aos olhos. Em letras grandes estava escrito: “Deus está morto. Assinado: Nietzsche.” Eram anos de grande turbulência em todo o mundo, dias de grande ceticismo e de grande crise, época em que a religião tradicional estava sendo questionada e até mesmo rechaçada. Alguém, contudo, escreveu uma outra frase com muito humor embaixo daquela frase na parede que me saltou aos olhos: “Nietzsche está morto. Assinado: Deus”. Passados mais de quarenta anos, assistimos no mundo todo um quadro religioso completamente diferente. Vivemos dias em que há um renascer, em praticamente todas as religiões, da preocupação com a espiritualidade.
O que eu estou querendo aqui ressaltar é o fato de que nos dias de hoje há uma procura extraordinária por espiritualidade. Alguns têm denominado este fenômeno como “a revanche de Deus”. É neste contexto que nós somos chamados como metodistas a refletir sobre a nossa espiritualidade. Ao falarmos dessa recuperação, desse resgate da espiritualidade, é importante que consideremos o texto que em Lucas 24 narra a estória dos caminhantes de Emaús. Dois homens caminhavam tristes e acabrunhados pela estrada que ia para a aldeia de Emaús. Não eram eles parte do círculo mais íntimo de Jesus; entretanto, eram discípulos de Jesus. O projeto no qual eles tudo tinham apostado chegara a seu fim. Quando menos esperam, um terceiro viajante se junta a eles. A gente conhece o resto dessa história. Levando-se em consideração que Lucas foi um pesquisador muito atento, se ele acrescentou esta narrativa longa sobre o Ressuscitado, é porque, certamente, nela estão escondidos alguns dos aspectos mais fundamentais do maior milagre que encontramos registrado na Bíblia: a ressurreição de Jesus Cristo. O que parece ser central no texto é a pergunta que fazem após a manifestação de Jesus ressuscitado no partir do pão. Eles dizem um ao outro: “Porventura não nos ardia o coração quando ele, pelo caminho nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” Aqui está escondida uma pérola de nossa espiritualidade metodista, santidade de coração e vida como caminho de salvação: podemos ter o coração aquecido e mesmo assim não percebermos a presença do Cristo vivo, ressurrecto, pelos caminhos da vida. Esperamos em nossa espiritualidade intimista e introvertida encontrar com o Cristo ressurreto nos momentos dos grandes milagres, das grandes manifestações extraordinárias do poder de Deus. Isto ocorre até porque alteramos, colocamos em ordem inversa, a máxima de Jesus ao afirmar “Se tu creres, tu verás a glória de Deus”, preferindo na prática a postura de “se eu vir a glória de Deus, então, crerei”. Aqui há uma questão que me parece central, o encontro com Cristo ressuscitado nunca se dá — e o evangelista João é muito mais claro sobre isto — com os olhos carnais. Eles não nos possibilitam ter o encontro com o Cristo ressuscitado. E, muitas vezes, queremos, em nossa espiritualidade, ter um encontro com o Cristo ressuscitado com nossos olhos carnais: “se conseguir ver, crerei!” Cada vez mais em nossos dias somos como Tomé. Por isso, quando Tomé se encontra com o Jesus ressurreto, este lhe diz: “põe aqui o teu dedo”. Tomé faz a mais radical declaração cristológica que encontramos no Novo Testamento, dizendo: “Senhor meu, Deus meu”. A réplica de Jesus é contundente: “Tomé, mais bem aventurados são aqueles que não viram e creram”. O grande segredo de nossa espiritualidade é quando ela pode nos ajudar a reconhecer o Cristo ressurreto, vitorioso, glorificado, no cotidiano da vida, nos caminhos da vida. O Cristo que caminha conosco no meio de nossas desilusões, fracassos e frustrações. Mesmo quando parece que o projeto de Deus está falhando, sendo derrotado! É nestes momentos que o Cristo ressurreto está ao nosso lado caminhando conosco. E, porque ele está conosco e caminha ao nosso lado, por vezes incógnito, sem fazer barulho, conversando mansamente conosco, é que nossa percepção espiritual e intimidade e convivência com ele podem ser aguçadas e podemos finalmente discernir sua presença em nosso cotidiano, e, como os discípulos depois de o reconhecerem, declarar: “É o mestre!”. Somente na medida em que formos capazes, em nossa espiritualidade, de nos reencontramos com o mistério do Cristo ressuscitado no cotidiano da vida, é que seremos capazes de como Igreja darmos resposta ao um mundo em crise. Não basta ir ao monte; importa descer do monte, para enfrentarmos as forças demoníacas que causam angústia, dor, sofrimento, miséria, violência e morte. Para a transformação de um mundo em crise, nossa espiritualidade tem que nos dar condições para descobrir o Cristo presente nos caminhos de nosso cotidiano, pois como afirmou Wesley, “o mundo é a nossa paróquia”. Creio que ainda hoje, mais do que nunca, precisamos de uma espiritualidade que, alimentada por Deus, seja fiel à sua Palavra, sensível ao mover do Espírito Santo, edificada na comunidade, comprometida com a justiça, voltada para o mundo, íntegra no seu comportamento ético e disposta ao serviço particularmente dos pequeninos de Deus, como dizia Wesley, não só daqueles que precisam de nós, mas daqueles que mais precisam de nós. Tal espiritualidade nos dará o empoderamento para com autoridade promovermos a transformação não somente de pessoas individualmente, mas da sociedade em que vivemos, e, assim, “espalhar a santidade bíblica sobre estas terras do Brasil”. Quando a Igreja Metodista no Brasil está convocada para a Campanha Nacional de Evangelização de 2009, sob o tema “Jesus, nossa maior segurança”, não seria o caso de nos perguntarmos “se realmente queremos ser uma Igreja espiritualmente relevante para um mundo em crise, ao invés de pensarmos em mudar os Cânones, de criarmos novas leis e estruturas, em eleger no próximo Concílio Geral o reverendo fulano ou beltrano, pois será melhor bispo que nossos atuais bispos, em formar este ou aquele movimento que parece promover um avivamento, mas é somente plataforma política para atingir interesses próprios; não deveríamos levantar aos céus um verdadeiro clamor por uma verdadeira transformação de nossa espiritualidade num verdadeiro encontro com ‘o Cristo de todos os caminhos` (no feliz título de um dos mais importantes livros de Stanley Jones, exatamente naquele em que trata da obra do Espírito Santo na vida do crente e da Igreja)?” Que nosso encontro com Deus verdadeiramente nos tire de dentro da nossa aquecida pousada de Emaús e nos devolva de novo ao caos e confusão dos caminhos de nossas Palestinas, das ruas de nossas Jerusaléns, derrubando as muralhas da espiritualidade fechada nos cenáculos de nossos templos. Afinal de contas, é ou não é o mundo nossa paróquia?
4 comentários:
Pregar até os confins da terra esse é o nosso chamado essa é a nossa missão.
Com o coração abrasado, pregar o evangelho a toda criatura!
Amém!
O mundo é a nossa paróquia!
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