Por Daniel Stephen Pastor da Igreja Metodista do Brasil
O objetivo deste artigo é resgatar a história do
movimento metodista, de como surgiu e se solidificou na Inglaterra do século
XVIII. Percebe-se que o movimento metodista não foi instantâneo, mas ele passou
por um processo de estruturação simultâneo ao processo de amadurecimento de fé
de João Wesley. O seu surgimento se dá em três momentos: em Oxford, Geórgia e
Londres.
O metodismo em Oxford
Segundo
o relato de Wesley o metodismo teve seu início em Oxford. Esta cidade era
conhecida como um lugar de formação, tão tradicional para o povo inglês e para
toda a Europa. O objetivo de cada estudante, em Oxford, estava ligado a uma
posição no governo, ou ainda tinham em vista uma posição na Igreja, além da
medicina e o direito serem bastante conceituada na universidade.
Em
1720, aos 17 anos, João Wesley ingressa na Christ Church, a
faculdade de maior prestígio em toda a universidade e assim inicia os seus
estudos teológicos. Em 1724, quatro anos depois, ele recebeu o seu grau de
bacharel em teologia. Wesley permaneceu em Oxford até o ano de 1735, com a
exceção dos anos em que auxiliou seu pai na paróquia de Epworth entre
1727-1729. Neste período se destacou academicamente, inclusive adquirindo o
grau de Mestre em Artes e fez parte como membro de um corpo de uma faculdade
(ele foi um Fellow) com o objetivo de lecionar ou fazer pregações
ocasionais no Lincoln College. Preparou-se para a ordenação na
Igreja da Inglaterra (Anglicana), onde foi primeiramente ordenado diácono e
logo depois recebeu sua ordenação como presbítero.
Foi
em 1725, especialmente ao se deparar com os escritos de Thomas Kempis (“A
Imitação de Cristo”) e de Jeremy Taylor (“Regras e exercícios de um viver e um
morrer santo”), que Wesley teve seu desenvolvimento teológico e foi
influenciado pelos pietistas da tradição do viver santo. Richard P.
Heitzenrater afirma:
A conseqüência teológica mais significativa da influência
pietista foi a descoberta de Wesley de que a santidade era uma realidade
interior – “que a verdadeira religião estava assentada no coração, e que a lei
de Deus se estendia por todos os nossos pensamentos assim como pelas palavras e
ações”.
Essa
convicção de Wesley levou a muitos historiadores a afirmar que esta foi a marca
de sua “primeira conversão”. Wesley estava convencido de que o viver santo é
essencial à natureza do verdadeiro cristianismo. Já em 1725, ele compreendia e
acreditava que uma pessoa poderia ser capaz de sentir o perdão de Deus, que
seria a segurança de sua salvação. Esse período foi fundamental na vida de
Wesley e do embrionário movimento metodista, pois essa compreensão em relação à
santidade deu direção tanto a vida como à sua teologia.
A
busca incessante pela santidade, tanto interior como exterior, foi a principal
força dos irmãos Wesley e mais alguns amigos para o início do metodismo. Eles,
no final do inverno de 1729, começaram a se reunir de forma sistemática para
fazerem leituras e estudarem o Novo Testamento em grego, bem como da literatura
clássica e das obras teológicas. O grupo também participava dos cultos
dominicais, tomavam regularmente a santa ceia, observavam o jejum (nos moldes
da Igreja Primitiva, nas quartas e sextas-feiras) e sempre avaliavam suas vidas
à luz dos propósitos de Deus. Os Wesley e seus amigos não se limitavam a
momentos de piedade, mas se esforçavam para realizar um excelente trabalho
social: faziam visitas regulares nas prisões, visitavam os enfermos das
paróquias ao redor da cidade, auxiliavam as famílias pobres e alfabetizavam as
crianças. Estas foram algumas das ações dos metodistas de Oxford que na busca
pela verdadeira santificação não se limitavam ao aspecto pessoal ou piedoso,
mas compreendiam que o amor de Deus os levava ao próximo sobressaindo, então, o
aspecto social da santificação. João Wesley, então, teve a oportunidade de
fazer uma viagem missionária para Geórgia, onde poderia colocar em prática tudo
aquilo que vinha aprendendo na sua busca pela santificação.
O metodismo na Geórgia
João
Wesley chegou à Geórgia, numa colônia britânica, no dia 06 de Fevereiro de
1736. Apesar de ele ter ficado em solo americano em menos de dois anos e alguns
historiadores colocarem sua experiência neste lugar como um fracasso
missionário, no entanto, é considerado pelo próprio Wesley o “segundo
surgimento do metodismo”. Tal nomenclatura se dá devido à formação de um grupo
wesleyano semelhante dos metodistas de Oxford.
O
propósito principal de Wesley, segundo ele mesmo relata em sua viagem é: “meu
principal objetivo é a esperança de salvar a minha própria alma. Espero
compreender o verdadeiro sentido do Evangelho de Cristo, pregando-os aos
pagãos...”. O desafio em que se deparou foi na questão moral de seus
conterrâneos que tinham um projeto colonialista de dominação. Este projeto não
era compatível com a mensagem missionária que o próprio Wesley pregava. Ele
designou essas pessoas de “glutões, beberrões, ladrões, mentirosos”. O projeto
wesleyano era de pregar aos índios, mas tal ação acabou sendo frustrada porque
os próprios nativos, ao se deparar com ações violentas e de exploração
praticadas pelos colonos europeus fez com que se afastassem do Evangelho.
O
período de Wesley na América do Norte propiciou o contato com um grupo de
morávios de origem pietista. Ele manteve contato com este grupo, inclusive
participando de suas reuniões e cultos. A grande influência dos morávios no
pensar teológico de Wesley foi à questão do “testemunho (interior) do
Espírito”, a confiança em Cristo. Em sua conversa com Spangenberg ele ficou
bastante intrigado com uma indagação se ele realmente “sentia” que ele era
filho de Deus. Wesley percebeu que sua resposta “positiva” foram meramente
“palavras vãs”.
Wesley
criou em Savannah e em Frederica Sociedades nos moldes das que existiam em
Oxford. Essas Sociedades experimentaram um crescimento espiritual
significativo, inclusive na área de educação, ensinado as crianças e os jovens
não apenas a ler e a escrever, mas, também, ensinando a doutrina bíblica.
Durante quase um ano e dez meses, Wesley exerceu seu
ministério à semelhança do apóstolo que se fez “tudo para com todos”.
Entretanto, a maneira como dirigia a vida paroquial foi, lentamente, deixando
um rastro de insatisfação. Em diversas circunstâncias, ele demonstrou
inflexibilidade e forte apego às normas eclesiásticas. Parecia-lhe que os fiéis
não cultivavam a mesma seriedade de seu pastor. Ao contrário, fugiam da
disciplina.
Wesley
não soube contornar uma situação que armaram para ele. No episódio em que se
recusou em receber à mesa da comunhão a senhora Hopkey e seu esposo, por não
cumprirem as determinações canônicas, foi mal interpretado. Acusaram-no por
envolver questões sentimentais e outras questões, além de formalizarem um
processo contra Wesley. Embora as acusações fossem falsas, Wesley deixa a
Geórgia antes de qualquer julgamento fosse realizado.
O metodismo em Londres
Antes
mesmo de João Wesley chegar a Londres (depois de sua volta conturbada da
Geórgia), alguns metodistas como Carlos Wesley e George Whitefield já vinham se
reunindo e buscando a edificação mútua. Porém, com a chegada de João Wesley e
com a ajuda de um ministro luterano chamado Peter Böhler a Sociedade de
Londres, que estava “desorganizada”, ficou conhecida como a Sociedade Fetter
Lane que, segundo Wesley, era o início do “terceiro surgimento do metodismo”.
Esse
período foi de grandes lutas internas para João Wesley, pois estava preocupado
com a sua “falta de segurança da fé”. Após a sua chegada da Geórgia ele se
envolveu com Peter Böhler que o direcionou para alguns modelos de renovação
espiritual e para o desenvolvimento organizacional do metodismo. Böhler, que
estava se preparando para as colônias inglesas na América, convenceu Wesley que
o seu grande problema não era uma fé fraca, mas a falta dela, ou seja, a
descrença. Wesley foi encorajado a buscar uma fé viva, que tinha como frutos: o
domínio sobre o pecado e a paz constante.
Em
maio de 1738, após a organização da Sociedade de Fetter Lane, que foi criada a
partir de princípios tanto anglicanos como morávios e se inspirava na epístola
de Tiago 5.16: “Confessai, pois, uns aos outros, os vossos pecados e
orai uns pelos outros, para que sejais curados”; que João Wesley, no dia 24
de maio de 1738, na rua Aldersgate, ouvindo a leitura do prefácio de Lutero à
Carta aos Romanos que ele teve a experiência religiosa conhecida historicamente
como “coração aquecido”.
À noite eu fui de má vontade à sociedade na Rua Aldersgate,
onde alguém estava lendo o prefácio de Lutero para a Epístola aos Romanos.
Cerca de um quarto para as nove, enquanto ele estava descrevendo a mudança que
Deus opera no coração pela fé em Cristo, eu senti o meu coração
estranhamente aquecido, senti que acreditava em Cristo, apenas em Cristo
para a salvação, e uma segurança me foi dada que Ele havia levado meus pecados,
sim os meus, e me salvado da lei do pecado e da
morte.
Wesley,
a partir dessa experiência, percebeu que a fé, como confiança e certeza, era
uma realidade palpável e real. “Ele se apropriou pessoalmente da fé
justificadora e experimentou a santidade que procede, não do esforço humano, mas
da graça de Deus”. A experiência em Aldersgate foi um marco histórico em
sua vida. A partir de tal experiência o seu ministério ganhou um novo sentido e
reorientou a sua prática pastoral. A sua busca pela santidade pessoal resultou
na atenção para o serviço ao próximo (santidade social).
Conclusão
Podemos
perceber que o metodismo surgiu não de maneira instantânea, mas gradativa,
passando por alguns processos que estavam inteiramente ligados a experiência de
vida e fé de João Wesley. Na realidade, o movimento metodista surge simultâneo
ao processo de amadurecimento da fé deste reformador inglês. Toda a sua
experiência desde Oxford, passando pela frustração na Geórgia e até chegar a
Londres permitiu que a base do metodismo se solidificasse, assim como a sua
teologia e a sua fé.
Oxford
teve um papel importante quando Wesley descobriu a importância pela busca da
santificação. Ele juntamente com seu irmão e seus amigos se reunia com o
objetivo de alcançar um amadurecimento na fé, uma busca pela verdadeira
santificação, purificando-se de todos os pecados e males que estavam ao seu
redor. Apesar de sua frustração em sua jornada missionária na Geórgia, ele
percebeu que tal situação permitiu com que descobrisse as suas limitações, como
por exemplo, o seu temor da morte diante da tempestade no navio. Isto tudo
resultou em sua busca por uma experiência nova que viabilizasse uma fé viva,
que o levasse a um maior grau de maturidade espiritual. Então, diante de tal
busca, ele redescobriu a fé em sua experiência na Aldersgate, tendo um coração
transformado pela graça de Deus.
Diante
desta peregrinação espiritual de João Wesley que o metodismo criou raízes e se
desenvolveu como um movimento impactante e libertador propagando uma mensagem
de transformação inspirada nas palavras de Wesley: “não para ser uma nova
seita, mas para reformar a nação, em particular a Igreja, e espalhar a
santidade bíblica por sobre a terra”.
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