18/06/2015

Festas juninas, cultura pagã cristianizada.



Por Joelza Ester Domingues, historiadora.


Neste mês de junho, ocorre a maior festividade do calendário escolar: as festas juninas. Aulas são interrompidas para o ensaio da quadrilha e os professores são convocados para os festejos. Para muitos alunos, a proximidade das férias torna o evento ainda mais excitante.

E nós, professores de História, o que fazemos neste clima festivo e de pouca concentração nos estudos? Propomos inserir essa manifestação da cultura popular no conteúdo escolar para compreendê-la como um objeto de estudo, isto é, analisá-la sob uma perspectiva histórica buscando seu significado mais profundo.

Dia de São João


24 de junho, dia de São João Batista, o mais festejado santo católico entre nós, faz parte das chamadas festas juninas que, por homenagearem o santo eram chamadas, inicialmente, de festas joaninas.

As origens desses festejos remontam a um tempo longínquo, muito anterior ao cristianismo, quando se celebrava o solstício de verão na Europa e no Oriente Médio. Nesta ocasião, os povos de origem celta e germânica comemoravam a fertilidade da terra e dos animais e as boas colheitas. Por sua origem agrária, era (e ainda é) uma festa rural. Daí os festejos remeterem a elementos próprios do campo: as bandeirinhas são colocadas no “arraial”, os participantes usam trajes ditos “caipiras” e o local é decorado com bambus, palha, sabugos de milho, folhas de coqueiro e de bananeira.

A Igreja apropriou-se das festas pagãs do solstício de verão dedicando-as a São João Batista. Convencionou o dia 24 de junho como sendo o nascimento de João Batista, seis meses antes de Jesus. Com isso reforçava a ideia do profeta e apóstolo como precursor do Messias. Cristianizou-se, assim, as duas comemorações mais populares dos povos pagãos do hemisfério norte: o solstício de verão e o de inverno consagrando-os, respectivamente, para o nascimento de São João e o Natal de Jesus.

As festas juninas incorporaram, também, outras celebrações pagãs. A fogueira e a dança ao seu redor, por exemplo, fazia parte do Beltane, festival celta realizado no dia 1º de Maio. Era uma festa alegre, feita no bosque, em que as mulheres usavam coroas de flores e todos dançavam. Acendiam-se duas fogueiras para as pessoas passarem entre elas, inclusive o gado e os animais, com o objetivo de purificarem-se de doenças e energias negativas. Daí veio o costume de pular a fogueira nas festas juninas.

Ponto central do festival de Beltane era a celebração da fertilidade, ocasião em que os casais se uniam para gerarem filhos. Cristianizada a festa, ela ressignificou o ritual matrimonial pagão tornando-o um casamento fictício em que um “noivo” e uma “noiva” abrem a dança da quadrilha

A fogueira de Beltane, incorporada à festa cristã de São João, recebeu outro significado. Contava-se que o antigo costume de acender fogueiras no começo do verão europeu tinha suas raízes em um acordo feito pelas primas Maria e Isabel. Esta, grávida de São João Batista, combinou que o nascimento da criança seria sinalizado com uma fogueira acendida sobre um monte, para que Maria viesse ajudar a prima depois do parto.

A tradição da fogueira está presente nas festas dos três santos, mas tem formatos diferentes para cada um. A fogueira de São João é redonda, a de Santo Antônio, quadrada e a de São Pedro, triangular.

Tradições juninas


As fogueiras receberam outros elementos festivos: os balões e os fogos de artifício. Cinco a sete balões eram soltos para avisar o início da festança. As pessoas escreviam seus desejos e pedidos em pequenos papeis que eram atados nos balões e levados ao céu. Os fogos de artifício, segundo a tradição popular, serviam para despertar São João. Hoje, pelo risco de incêndios, acidentes e mortes, os balões são proibidos por lei no Brasil e os fogos de artifício com maior poder de estouro devem ser manuseados por pessoas qualificadas.

Outra tradição oriunda do festival de Beltane era o mastro de fitas. Trata-se de um mastro de madeira preso no chão e enfeitado com diversas fitas coloridas bem compridas. As cores tem significados variados: amor, saúde, prosperidade, alegria, paz etc. Cada pessoa escolhe uma fita conforme seu desejo e, segurando sua ponta, todos giram ao redor do mastro trançando as fitas como se estivessem tecendo seu próprio destino. A dança de fitas é muito comum em Portugal e na Espanha.

O mastro de fitas desdobrou-se no mastro de São João, conhecido em Portugal como o mastro dos Santos Populares. Erguido durante a festa junina, ele celebra os três santos ligados a essa festa: São João, São Pedro e Santo Antônio. É decorado, no alto, com milho e laranja – elementos que evocam as oferendas de pedido ou agradecimento pelas boas colheitas e a fertilidade da terra.

Já a quadrilha tem uma origem mais complicada. Remonta a uma dança medieval, surgida por volta do século XIII, entre os camponeses ingleses. A dança se popularizou e, no século XVIII, chegou aos salões aristocráticos franceses onde foi chamada de contredanse (contradança). Daí ganhou seu formato de dança social, dançada em pares em que os casais formam uma longa fila no salão. No final do século XIX, com algumas mudanças nos passos, foi chamada de quadrille (quadrilha) difundindo-se pela Europa e Estados Unidos.

Outras comemorações juninas

A celebração do dia de São Pedro é uma das mais antigas da Igreja, sendo anterior até mesmo à comemoração do Natal. O dia 29 de Junho é consagrado a São Pedro e também a São Paulo, data que se convencionou como sendo a do martírio de ambos. Mas a escolha do dia foi intencional: neste dia, os antigos romanos celebravam um culto pagão a Rômulo e Remo, os lendários fundadores de Roma. A Igreja apropriou-se da data considerando São Pedro e São Paulo como “Pais de Roma” que, com seu sangue,“fundaram” a Roma cristã.

Um costume curioso no dia de São Pedro é a obrigação daqueles batizados com o nome do santo de acenderem uma fogueira na porta de sua casa. Além disso, se alguém amarrar uma fita no braço de alguém chamado Pedro, este tem a obrigação de dar um presente ou pagar uma bebida àquele que o amarrou, em homenagem ao santo.

O dia de Santo Antônio foi consagrado na Idade Média pelo papa Gregório IX. Nascido em 1195, de família rica da nobreza portuguesa, ele entrou para a ordem dos franciscanos adotando o nome de Antônio. Pregou em muitas regiões da Itália e sul da França até seu falecimento, ocorrido próximo à cidade italiana de Pádua, em 13 de junho de 1231. Ficou, por isso, conhecido como Santo Antônio de Pádua. Sua popularidade era tamanha que logo seu sepulcro atraiu peregrinos de toda Europa, sendo venerado por ajudar a arranjar casamentos e a resolver causas perdidas.

Uma curiosidade: a escolha do 12 de junho como Dia dos Namorados, na véspera do dia de Santo Antônio, não tem nenhum apelo religioso. A ideia foi realmente comercial. A loja Clipper, em São Paulo, contratou em 1940, a agência de propaganda de João Dória. A loja precisava melhorar as vendas de junho, mês considerado fraco para o comércio. Depois das vendas do Dia das Mães, o comércio quase sucumbia até agosto, quando acontece o Dia dos Pais. João Dória elaborou uma campanha para o dia 12 de junho, inspirada no Valentine’s Day – um sucesso no comércio americano – e para o dia 13 de junho, Dia de Santo Antônio, popularmente consagrado como padroeiro dos namorados, com o slogan “Não é só de beijos que se prova o amor”, instituindo o Dia dos Namorados. Tornou-se um evento de sucesso e acabou entrando no calendário das tradições brasileiras.

Outra comemoração de junho que começa a ganhar força, é a do dia 14 quando se celebra o dia de Nhá-Chica, a primeira bem-aventurada negra do Brasil. Filha e neta de escravos, Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, nasceu em 1810, no povoado de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, um dos atuais distritos de São João del-Rey, em Minas Gerais. Viveu a maior parte de sua vida na cidade mineira de Baependi, onde faleceu em 1895. Órfã aos 10 anos de idade, Nhá-Chica dedicou sua vida à caridade e amor ao próximo sendo chamada de “Mãe dos Pobres” e “Santa de Baependi”. A beatificação de Nhá-Chica foi assinada pelo papa Bento XVI em 2012.

Festas juninas no mundo

As celebrações juninas são particularmente importantes no Norte da Europa — Dinamarca, Estônia, Finlândia, Letônia, Lituânia, Noruega e Suécia —, mas também ocorrem em grande escala na Irlanda, Galiza, Inglaterra, Escócia, França, Itália, Portugal, Espanha, Malta, Ucrânia e em outros países como o Canadá, Estados Unidos, Porto Rico e Austrália.

No Brasil, as festas juninas foram trazidas pelos colonos portugueses. São João era festejado com entusiasmo nas missões jesuíticas. As fogueiras e tochas acesas provocavam grande efeito sobre os indígenas. Como a festa coincidia com a época de colheita do milho e de preparação dos novos plantios, a tradição portuguesa acabava fundindo-se às práticas rituais indígenas ligadas à coivara.

Em outros países, as festas juninas também ganharam elementos culturais locais. Assim, por exemplo, na Polônia, as pessoas de fantasiam de piratas e comemoram com muita vodka; na Rússia, as moças colocam guirlandas de flores na água dos rios para dar sorte; na Suécia, a festa junina é mais comemorada que o Natal e dança-se ao redor de um mastro decorado com flores e folhas; em Portugal, é chamada de Festa dos Santos Populares e a fogueira é mantida acesa com rosmaninho, uma planta perfumada.

Um comentário:

Rev. Welfany Nolasco Rodrigues disse...

Muito interessante. Me ajudou muito principalmente por saber que provém de fonte confiável.
Deus continue te abençoando.

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