15/10/2015

Graça.



Por  Daniel Stephen Pastor da Igreja Metodista do Brasil.


João Wesley ensina que o Espírito Santo se faz presente na vida da pessoa redimida em todos os estágios da experiência cristã. Ele é o guia que conduz o crente a vivenciar as transformações de uma vida em Deus. Mack B. Stokes refletindo sobre a pneumatologia de Wesley relata que “Deus está interessado numa transformação interior que leve diretamente a atos de amor e misericórdia”.  Com base nisso, Wesley desenvolve a doutrina do Espírito Santo (pneumatologia) em conexão direta com a doutrina da salvação (soteriologia), onde ambas tem a função de mostrar o plano redentor de Deus em transformar a criação corrompida pelo pecado. Os estágios dessa experiência com a graça e o Espírito Santo são desenvolvidos da seguinte maneira: 1) graça preveniente; 2) graça justificadora; e 3) graça santificadora.

Graça preveniente.

Segundo Theodore Runyon, Wesley compara o processo de salvação a uma casa. “A graça preveniente seria a varanda, a justificação a porta, e a santificação ou a santidade os cômodos da casa onde somos chamados a morar”. Comecemos pela varanda da casa.
Para João Wesley, o Espírito Santo está presente na vida de cada pessoa, em todos os lugares no mundo oferecendo a graça de Deus, que neste caso seria a graça preveniente. Esta graça antecede a qualquer manifestação humana de se achegar propriamente a Deus
Na verdade – como já foi dito –, ela tem início antes que tenhamos consciência dela. Esta é a graça que “vem antes” (pré-venio) de estarmos conscientes de que Deus está nos buscando, usando estímulos sutis – e nem tão sutis –, a fim de nos despertar para a nossa verdadeira condição.
Na doutrina da graça preveniente de Wesley, fica evidente que o ser humano não tem possibilidade de se salvar sem a ação direta do Espírito Santo e de que Deus intervém de maneira concreta na renovação de sua criação oferecendo possibilidades para este ser humano.
Vendo que todos os homens são, por natureza, não apenas doentes, mas estão “mortos em seus delitos e pecados”, não é possível para eles fazer coisa alguma boa, até que Deus os levante de entre os mortos. Foi impossível para Lázaro vir para fora de seu túmulo até que o Senhor lhe deu vida. E é igualmente impossível para nós vir para fora de nossos pecados, sim, ou ter qualquer intento de o fazer, até que Aquele que tem todo o poder nos céus e terra, dê vida às nossas mortas almas.

Apesar de o ato primeiro ser de Deus, o ser humano tem real responsabilidade em aceitar ou não a graça da salvação. Seguindo este princípio, Wesley contrapõe o pensamento calvinista da “graça irresistível”, onde sua tese central é de que Deus não interfere na liberdade humana, pois isto acarretaria em frustração dos planos divino para a humanidade.  A ênfase de Wesley é de que a liberdade é necessária para a garantia da sinergia. A sinergia é o conceito da “ação conjunta e cooperativa entre o humano e o divino, em cada passo do processo de salvação”.  No sermão 85, com o título “desenvolvendo nossa própria salvação”, Wesley mostra que a ação divina pressupõe uma reação humana, pois, devido à graça de Deus operar primitivamente, o ser humano não pode isentar-se de “cooperar” para o processo de salvação. Contudo, a operação divina no ato primário, nomeada por Wesley de graça preveniente, atinge a todo ser humano com o objetivo de restaurá-lo.
Todos os homens têm de certo modo (...) bons desejos, embora em geral os reprimam, antes que possam extirpar a raiz profunda do pecado, ou produzir algum fruto bom. Todos têm em alguma medida aquela luz, alguns somente fracos raios, e que, cedo ou tarde, mais ou menos, ilumina a todo o homem que vem ao mundo. E cada um (...) sente-se mais ou menos desconfortável, quando age contrário à luz de sua própria consciência. De modo que o homem peca não porque não tenha a graça de Deus, mas porque não faz uso da graça que tem.
Para Wesley, a graça não era somente preveniente,  mas terapêutica. Seu pensamento foi direcionado para uma compreensão da graça de Deus com acento mais para os Pais da Igreja do Oriente do que do Ocidente. Na patrística do Ocidente e na reforma protestante do século XVI permeava o conceito forense, onde o imaginário era de Deus como um juiz que, por direito, condenaria, mas oferece a graça, libertando o transgressor e fazendo dele inocente perante a lei. ]Apesar de o conceito forense fazer parte da linguagem de Wesley, o que ele vai dar mais ênfase é o conceito de graça com fins terapêuticos, tão presentes na patrística Oriental. Assim afirma Paulo Ayres Mattos:
Muito mais do que a explicação teológica clássica da Reforma protestante da graça de Deus em termos forenses (pecado como violação da vontade de Deus que exige uma reparação legal), a linguagem de poder em Wesley está condicionada por sua compreensão terapêutica da salvífica graça amorosa de Deus (pecado em termos de doença, enfermidade, que requer cura). Paulo Ayres Mattos ainda acrescenta:
Wesley considerava que a mais importante obra do Espírito Santo tinha a ver com o processo de como homens e mulheres podiam alcançar a salvação plena em Cristo Jesus. Para Wesley, salvação pode melhor ser compreendida quando expressa em termos terapêuticos, de cura, de restauração plena da imagem de Deus em nós.
Wesley vai relatar que “esta salvação é continuada pela graça convincente, usualmente, denominada, nas Escrituras, de arrependimento, a qual produz um autoconhecimento maior, para alcançar a mais completa libertação do coração de pedra”.  Então, através deste arrependimento, com efeito positivo referente à graça de Deus, possibilita a pessoa a estar salva em Cristo Jesus. Passando agora a estar justificada por Deus, que é o próximo passo, chegando na “porta” da casa que é a graça justificadora que veremos a seguir.

Graça justificadora.

João Wesley afirma que a graça justificadora é a experiência com a salvação cristã, obra do que Cristo fez “por nós”. Neste processo, a graça justificadora possibilita o homem e a mulher a entrarem em relacionamento com o seu Criador, restaurando as bases relacionais que impediam a tal comunhão. Klaiber e Marquardt vão dizer que para Wesley, a compreensão de justificação está muito próxima de Melanchton. “Para ele, justificação é ‘uma outra palavra para perdão’; portanto, é ‘remissão de todos os nossos pecados (...) e a nossa aceitação por Deus”.
Segundo Theodore Runyon, a justificação wesleyana é um realinhamento da humanidade por Deus para um relacionamento para qual fora criado.
Para Wesley, esse realinhamento é possível graças ao perdão e ao amor de Deus manifestados a nós por meio de Cristo, interrompendo o círculo vicioso da alienação e afastamento que nós mesmos impomos e estabelecendo um novo relacionamento baseado na misericórdia reconciliadora de Deus.
Diante disso, o próprio João Wesley expõe seu conceito de justificação sendo que paralelamente ao conceito de santificação.
Depois disto, experimentamos a salvação cristã propriamente dita, por meio da qual, “mediante a graça”, “somos salvos pela fé”, consistindo em duas grandes ramificações, justificação e santificação. Pela justificação somos salvos da culpa do pecado, e restaurados no favor de Deus; pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado, e restaurados à imagem de Deus.
Para Runyon, a justificação faz parte de um processo maior pelo ajuste entre “justificação-regeneração-santificação”.  No pensamento de Wesley, segundo o sermão 45 “o novo nascimento”, a justificação vem antes que o novo nascimento (regeneração), como “a grande obra que Deus faz por nós, perdoando nossos pecados” e nos reconciliando. O novo nascimento ou a regeneração é a “grande obra que Deus opera em nós, renovando-nos a natureza decaída”.
João Wesley compreende que esta graça, justificadora, age de duas formas distintas e que se relacionam: a “justificação inicial” (justificação) e a “justificação final” (santificação):
A primeira tratar-se-ia da mudança relativa, na qual Deus declara o ser humano perdoado desde os méritos de Cristo, enquanto que a segunda referir-se-ia à real mudança, na qual o Espírito renova a natureza humana decaída. Decisivo parece ter sido a distinção feita por ele entre a momentânea restauração da responsiva participação na Graça perdoadora de Deus (Novo nascimento) e a subseqüente transformação terapêutica e gradual da vida (santificação propriamente).
Assim, o cristão é iniciado numa vida nova, na vida de Deus. Ele deixa a “porta” da casa e é guiado pelo Espírito Santo a entrar nos cômodos da casa, onde ele deve permanecer que é o processo de santificação, da restauração da imagem de Deus em sua vida.

Graça santificadora.

O ser humano redimido agora recebe uma nova vida pela qual necessita crescer em graça. Ao ser perdoado, simultaneamente é regenerado, ou seja, nasce de novo e é levado para um caminho mais excelente: a santificação. Ainda sobre o sermão 45, onde é relatado o processo de regeneração, Wesley vai explicar a maneira com que Deus, pelos méritos de Cristo, e através do Espírito, age no ser humano em estado de queda. A visão antropológica de Wesley é totalmente pessimista, onde o ser humano, distante de Deus, está em total depravação e degradação.
Assim Deus criou o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou” (Gn 1.26,27) ; não meramente à sua imagem natural, um retrato de sua imortalidade; um ser espiritual, dotado de entendimento, liberdade de vontade e vários afetos; não meramente à sua imagem política, o governador deste mundo inferior, tendo “domínio sobre os peixes do mar e sobre toda a terra”; mas principalmente à sua imagem moral que, no dizer do apóstolo, é “justiça e verdadeira santidade” (Ef 4.24). Segundo essa imagem o homem foi feito. “Deus é amor”: consequentemente, o homem, ao ser criado, estava cheio de amor, que era o único móvel de todas as suas disposições, pensamentos, palavras e aros.
Segundo Wesley, o ser humano que entendeu que não precisava mais de seu Criador desobedece ao mandamento de Deus, passando de um estado de santidade para um estado de corrupção, especialmente a corrupção da imagem de Deus inferida em sua vida. Assim, o ser humano que continha a imagem natural, política e moral de Deus agora têm a imagem daquele que peca desde o princípio, o diabo.  Wesley vai dizer que o ser humano experimentou a “morte de Deus”, a separação total de seu Criador.
Diante do fato em que o ser humano se encontra, Deus por meio de sua infinita misericórdia aprouve em restaurar a humanidade que se encontra em tal estado. Por isso, a manifestação de sua graça é o princípio norteador do plano de salvação de Deus. Usando o ensino paulino, Wesley vai dizer que pela desobediência do primeiro Adão entrou o pecado e a morte no mundo, pela obediência do segundo Adão (Jesus Cristo) veio à vida (I Co 15.22). Assim, a pessoa que recebe da graça de Deus e é justificada pela fé, concomitantemente inicia em sua vida o processo de regeneração, onde tal pessoa “nasce de novo”. Os sentidos espirituais são despertados e então o cristão passa a enxergar a Deus, pois antes não podia; passa então a ouvir a voz de seu Senhor, coisa que antes não podia; e tal pessoa passa a desfrutar do relacionamento com Cristo; sente em seu coração a operação do Espírito de Deus; sente o amor de Deus em seu coração. “E agora pode propriamente dizer que vive: despertado por Deus mediante o Espírito, ele vive para Deus mediante Jesus Cristo”.
O Espírito Santo entra na vida humana, depois do novo nascimento, para levá-lo ao crescimento na graça. Este “crescimento” chamamos de santificação. “A doutrina da santificação expressa o princípio do crescimento espiritual pelo poder do Espírito Santo”. A santificação é um processo iniciado pelo Espírito rumo ao aperfeiçoamento da imagem de Deus no homem. Depois que o homem “nasce de novo” começa este processo de amadurecimento espiritual. Runyon  afirma que:
A santificação é, portanto, a restauração da criatura decaída àquela existência em comunhão com o Criador e àquela vida como mordomo fiel, para as quais a humanidade foi feita. É santidade crescente, isto é, vida cada vez mais saudável e plena por meio da comunhão com Deus e com os   outros.
Existe um círculo onde Wesley fala que a santificação consiste na restauração da imagem de Deus e esta imagem é identificada como a “mente de Cristo” e esta, por sua vez, com o amor, fechando assim o círculo. Na doutrina da santificação, Wesley sempre relaciona a santificação com o amor. Como os dois são dons, é Deus que opera os tais em nós.
Santificação é dom de Deus, assim como o amor de Deus o é. “O amor é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo”(Rm 5.5), verdade que Wesley, sempre de novo, apresenta como cumprimento do novo nascimento e princípio da santificação, bem como a única e verdadeira marca de todo “metodista”.
Para Wesley, somos santificados mediante a fé, pois é somente pela fé que o amor passa a ser realidade. Portanto, assim como precisamos da fé para a justificação e o novo nascimento, também precisamos dela para o crescimento gradativo da vida, a santificação.
Como falamos anteriormente que a santificação para Wesley consiste no amor. “Quem ama a Deus e ao próximo como a si mesmo, vive em comunhão com Deus e é santo”. O Espírito Santo no processo de santificação gera este amor dentro do ser humano e é este amor que vivifica Cristo em nossos corações, fortalecendo assim a nossa  fé em Jesus. Este próprio Espírito gera na alma humana, quando esta se encontra “fria” e abatida, a renovação espiritual necessária de que precisa.

A santificação para Wesley é o crescimento em direção a perfeição em amor. A perfeição entendida como um alvo a ser seguido. Em seu sermão de número 76 “sobre a perfeição”, explica o que na realidade é este desenvolvimento em amor, por meio da doutrina conhecida como perfeição cristã. Assim, Wesley vai relatar que a perfeição cristã por mais que tenha recebido objeções, contudo é bíblica e essencial para a vida cristã. Ele expõe que a perfeição cristã não é a perfeição dos anjos e nem a perfeição que continha em Adão. Porém, a perfeição que Wesley relata consiste em: 1) obedecer ao gentil mandamento do Senhor: Amar a Deus e ao próximo; 2) “ter a mente que também estava em Cristo Jesus”, pensando em “tudo que é santo, tudo que seja amável”; 3) em ter os frutos do Espírito: amor, alegria, paz; longanimidade, gentileza, bondade, fidelidade, mansidão e temperança; de maneira que todos estejam unidos como em um só; 4) em ser recriado, em Jesus Cristo, na retidão e verdadeira santidade; 5) em santidade de vida e de coração; 6) em ser santificado e preservado da culpa; 7) oferecer-se a Deus em sacrifício, entregando a Ele todos os pensamentos, palavras e ações; 8) obter a salvação dos pecados mediante a  Jesus Cristo.

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