Por Daniel Stephen Pastor da Igreja Metodista do Brasil.
João
Wesley ensina que o Espírito Santo se faz presente na vida da pessoa redimida
em todos os estágios da experiência cristã. Ele é o guia que conduz o crente a
vivenciar as transformações de uma vida em Deus. Mack B. Stokes refletindo
sobre a pneumatologia de Wesley relata que “Deus está interessado numa
transformação interior que leve diretamente a atos de amor e misericórdia”. Com base nisso, Wesley desenvolve a doutrina
do Espírito Santo (pneumatologia) em conexão direta com a doutrina da salvação
(soteriologia), onde ambas tem a função de mostrar o plano redentor de Deus em
transformar a criação corrompida pelo pecado. Os estágios dessa experiência com
a graça e o Espírito Santo são desenvolvidos da seguinte maneira: 1) graça
preveniente; 2) graça justificadora; e 3) graça santificadora.
Graça preveniente.
Segundo
Theodore Runyon, Wesley compara o processo de salvação a uma casa. “A graça
preveniente seria a varanda, a justificação a porta, e a santificação ou a
santidade os cômodos da casa onde somos chamados a morar”. Comecemos pela
varanda da casa.
Para
João Wesley, o Espírito Santo está presente na vida de cada pessoa, em todos os
lugares no mundo oferecendo a graça de Deus, que neste caso seria a graça
preveniente. Esta graça antecede a qualquer manifestação humana de se achegar
propriamente a Deus
Na
verdade – como já foi dito –, ela tem início antes que tenhamos consciência
dela. Esta é a graça que “vem antes” (pré-venio) de estarmos conscientes de que
Deus está nos buscando, usando estímulos sutis – e nem tão sutis –, a fim de
nos despertar para a nossa verdadeira condição.
Na
doutrina da graça preveniente de Wesley, fica evidente que o ser humano não tem
possibilidade de se salvar sem a ação direta do Espírito Santo e de que Deus
intervém de maneira concreta na renovação de sua criação oferecendo possibilidades
para este ser humano.
Vendo
que todos os homens são, por natureza, não apenas doentes, mas estão “mortos em
seus delitos e pecados”, não é possível para eles fazer coisa alguma boa, até
que Deus os levante de entre os mortos. Foi impossível para Lázaro vir para
fora de seu túmulo até que o Senhor lhe deu vida. E é igualmente impossível
para nós vir para fora de nossos pecados, sim, ou ter qualquer intento de o
fazer, até que Aquele que tem todo o poder nos céus e terra, dê vida às nossas
mortas almas.
Apesar
de o ato primeiro ser de Deus, o ser humano tem real responsabilidade em
aceitar ou não a graça da salvação. Seguindo este princípio, Wesley contrapõe o
pensamento calvinista da “graça irresistível”, onde sua tese central é de que
Deus não interfere na liberdade humana, pois isto acarretaria em frustração dos
planos divino para a humanidade. A
ênfase de Wesley é de que a liberdade é necessária para a garantia da sinergia.
A sinergia é o conceito da “ação conjunta e cooperativa entre o humano e o
divino, em cada passo do processo de salvação”. No sermão 85, com o título “desenvolvendo
nossa própria salvação”, Wesley mostra que a ação divina pressupõe uma reação
humana, pois, devido à graça de Deus operar primitivamente, o ser humano não
pode isentar-se de “cooperar” para o processo de salvação. Contudo, a operação
divina no ato primário, nomeada por Wesley de graça preveniente, atinge a todo
ser humano com o objetivo de restaurá-lo.
Todos
os homens têm de certo modo (...) bons desejos, embora em geral os reprimam,
antes que possam extirpar a raiz profunda do pecado, ou produzir algum fruto
bom. Todos têm em alguma medida aquela luz, alguns somente fracos raios, e que,
cedo ou tarde, mais ou menos, ilumina a todo o homem que vem ao mundo. E cada
um (...) sente-se mais ou menos desconfortável, quando age contrário à luz de
sua própria consciência. De modo que o homem peca não porque não tenha a graça
de Deus, mas porque não faz uso da graça que tem.
Para
Wesley, a graça não era somente preveniente, mas terapêutica. Seu pensamento foi
direcionado para uma compreensão da graça de Deus com acento mais para os Pais
da Igreja do Oriente do que do Ocidente. Na patrística do Ocidente e na reforma
protestante do século XVI permeava o conceito forense, onde o imaginário era de
Deus como um juiz que, por direito, condenaria, mas oferece a graça, libertando
o transgressor e fazendo dele inocente perante a lei. ]Apesar de o conceito
forense fazer parte da linguagem de Wesley, o que ele vai dar mais ênfase é o
conceito de graça com fins terapêuticos, tão presentes na patrística Oriental.
Assim afirma Paulo Ayres Mattos:
Muito
mais do que a explicação teológica clássica da Reforma protestante da graça de
Deus em termos forenses (pecado como violação da vontade de Deus que exige uma
reparação legal), a linguagem de poder em Wesley está condicionada por sua
compreensão terapêutica da salvífica graça amorosa de Deus (pecado em termos de
doença, enfermidade, que requer cura). Paulo Ayres Mattos ainda acrescenta:
Wesley
considerava que a mais importante obra do Espírito Santo tinha a ver com o
processo de como homens e mulheres podiam alcançar a salvação plena em Cristo
Jesus. Para Wesley, salvação pode melhor ser compreendida quando expressa em
termos terapêuticos, de cura, de restauração plena da imagem de Deus em nós.
Wesley
vai relatar que “esta salvação é continuada pela graça convincente, usualmente,
denominada, nas Escrituras, de arrependimento, a qual produz um
autoconhecimento maior, para alcançar a mais completa libertação do coração de
pedra”. Então, através deste
arrependimento, com efeito positivo referente à graça de Deus, possibilita a
pessoa a estar salva em Cristo Jesus. Passando agora a estar justificada por
Deus, que é o próximo passo, chegando na “porta” da casa que é a graça justificadora
que veremos a seguir.
Graça
justificadora.
João
Wesley afirma que a graça justificadora é a experiência com a salvação cristã,
obra do que Cristo fez “por nós”. Neste processo, a graça justificadora
possibilita o homem e a mulher a entrarem em relacionamento com o seu Criador,
restaurando as bases relacionais que impediam a tal comunhão. Klaiber e
Marquardt vão dizer que para Wesley, a compreensão de justificação está muito
próxima de Melanchton. “Para ele, justificação é ‘uma outra palavra para
perdão’; portanto, é ‘remissão de todos os nossos pecados (...) e a nossa
aceitação por Deus”.
Segundo
Theodore Runyon, a justificação wesleyana é um realinhamento da humanidade por
Deus para um relacionamento para qual fora criado.
Para
Wesley, esse realinhamento é possível graças ao perdão e ao amor de Deus
manifestados a nós por meio de Cristo, interrompendo o círculo vicioso da
alienação e afastamento que nós mesmos impomos e estabelecendo um novo
relacionamento baseado na misericórdia reconciliadora de Deus.
Diante
disso, o próprio João Wesley expõe seu conceito de justificação sendo que
paralelamente ao conceito de santificação.
Depois
disto, experimentamos a salvação cristã propriamente dita, por meio da qual,
“mediante a graça”, “somos salvos pela fé”, consistindo em duas grandes
ramificações, justificação e santificação. Pela justificação somos salvos da
culpa do pecado, e restaurados no favor de Deus; pela santificação somos salvos
do poder e da raiz do pecado, e restaurados à imagem de Deus.
Para
Runyon, a justificação faz parte de um processo maior pelo ajuste entre
“justificação-regeneração-santificação”. No pensamento de Wesley, segundo o sermão 45
“o novo nascimento”, a justificação vem antes que o novo nascimento
(regeneração), como “a grande obra que Deus faz por nós, perdoando nossos
pecados” e nos reconciliando. O novo nascimento ou a regeneração é a “grande obra
que Deus opera em nós, renovando-nos a natureza decaída”.
João
Wesley compreende que esta graça, justificadora, age de duas formas distintas e
que se relacionam: a “justificação inicial” (justificação) e a “justificação
final” (santificação):
A primeira
tratar-se-ia da mudança relativa, na qual Deus declara o ser humano perdoado
desde os méritos de Cristo, enquanto que a segunda referir-se-ia à real
mudança, na qual o Espírito renova a natureza humana decaída. Decisivo parece
ter sido a distinção feita por ele entre a momentânea restauração da responsiva
participação na Graça perdoadora de Deus (Novo nascimento) e a subseqüente
transformação terapêutica e gradual da vida (santificação propriamente).
Assim,
o cristão é iniciado numa vida nova, na vida de Deus. Ele deixa a “porta” da
casa e é guiado pelo Espírito Santo a entrar nos cômodos da casa, onde ele deve
permanecer que é o processo de santificação, da restauração da imagem de Deus
em sua vida.
Graça
santificadora.
O
ser humano redimido agora recebe uma nova vida pela qual necessita crescer em
graça. Ao ser perdoado, simultaneamente é regenerado, ou seja, nasce de novo e
é levado para um caminho mais excelente: a santificação. Ainda sobre o sermão
45, onde é relatado o processo de regeneração, Wesley vai explicar a maneira
com que Deus, pelos méritos de Cristo, e através do Espírito, age no ser humano
em estado de queda. A visão antropológica de Wesley é totalmente pessimista,
onde o ser humano, distante de Deus, está em total depravação e degradação.
Assim
Deus criou o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou” (Gn 1.26,27)
; não meramente à sua imagem natural, um retrato de sua imortalidade; um ser
espiritual, dotado de entendimento, liberdade de vontade e vários afetos; não
meramente à sua imagem política, o governador deste mundo inferior, tendo
“domínio sobre os peixes do mar e sobre toda a terra”; mas principalmente à sua
imagem moral que, no dizer do apóstolo, é “justiça e verdadeira santidade” (Ef
4.24). Segundo essa imagem o homem foi feito. “Deus é amor”: consequentemente,
o homem, ao ser criado, estava cheio de amor, que era o único móvel de todas as
suas disposições, pensamentos, palavras e aros.
Segundo
Wesley, o ser humano que entendeu que não precisava mais de seu Criador
desobedece ao mandamento de Deus, passando de um estado de santidade para um
estado de corrupção, especialmente a corrupção da imagem de Deus inferida em
sua vida. Assim, o ser humano que continha a imagem natural, política e moral
de Deus agora têm a imagem daquele que peca desde o princípio, o diabo. Wesley vai dizer que o ser humano experimentou
a “morte de Deus”, a separação total de seu Criador.
Diante
do fato em que o ser humano se encontra, Deus por meio de sua infinita
misericórdia aprouve em restaurar a humanidade que se encontra em tal estado.
Por isso, a manifestação de sua graça é o princípio norteador do plano de
salvação de Deus. Usando o ensino paulino, Wesley vai dizer que pela
desobediência do primeiro Adão entrou o pecado e a morte no mundo, pela
obediência do segundo Adão (Jesus Cristo) veio à vida (I Co 15.22). Assim, a
pessoa que recebe da graça de Deus e é justificada pela fé, concomitantemente
inicia em sua vida o processo de regeneração, onde tal pessoa “nasce de novo”.
Os sentidos espirituais são despertados e então o cristão passa a enxergar a
Deus, pois antes não podia; passa então a ouvir a voz de seu Senhor, coisa que
antes não podia; e tal pessoa passa a desfrutar do relacionamento com Cristo;
sente em seu coração a operação do Espírito de Deus; sente o amor de Deus em
seu coração. “E agora pode propriamente dizer que vive: despertado por Deus
mediante o Espírito, ele vive para Deus mediante Jesus Cristo”.
O
Espírito Santo entra na vida humana, depois do novo nascimento, para levá-lo ao
crescimento na graça. Este “crescimento” chamamos de santificação. “A doutrina
da santificação expressa o princípio do crescimento espiritual pelo poder do
Espírito Santo”. A santificação é um processo iniciado pelo Espírito rumo ao
aperfeiçoamento da imagem de Deus no homem. Depois que o homem “nasce de novo”
começa este processo de amadurecimento espiritual. Runyon afirma que:
A
santificação é, portanto, a restauração da criatura decaída àquela existência
em comunhão com o Criador e àquela vida como mordomo fiel, para as quais a
humanidade foi feita. É santidade crescente, isto é, vida cada vez mais
saudável e plena por meio da comunhão com Deus e com os outros.
Existe
um círculo onde Wesley fala que a santificação consiste na restauração da
imagem de Deus e esta imagem é identificada como a “mente de Cristo” e esta,
por sua vez, com o amor, fechando assim o círculo. Na doutrina da santificação,
Wesley sempre relaciona a santificação com o amor. Como os dois são dons, é
Deus que opera os tais em nós.
Santificação
é dom de Deus, assim como o amor de Deus o é. “O amor é derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo”(Rm 5.5), verdade que Wesley, sempre de novo,
apresenta como cumprimento do novo nascimento e princípio da santificação, bem
como a única e verdadeira marca de todo “metodista”.
Para
Wesley, somos santificados mediante a fé, pois é somente pela fé que o amor
passa a ser realidade. Portanto, assim como precisamos da fé para a
justificação e o novo nascimento, também precisamos dela para o crescimento
gradativo da vida, a santificação.
Como
falamos anteriormente que a santificação para Wesley consiste no amor. “Quem
ama a Deus e ao próximo como a si mesmo, vive em comunhão com Deus e é santo”.
O Espírito Santo no processo de santificação gera este amor dentro do ser
humano e é este amor que vivifica Cristo em nossos corações, fortalecendo assim
a nossa fé em Jesus. Este próprio
Espírito gera na alma humana, quando esta se encontra “fria” e abatida, a
renovação espiritual necessária de que precisa.
A santificação para Wesley é o crescimento em
direção a perfeição em amor. A perfeição entendida como um alvo a ser seguido.
Em seu sermão de número 76 “sobre a perfeição”, explica o que na realidade é
este desenvolvimento em amor, por meio da doutrina conhecida como perfeição
cristã. Assim, Wesley vai relatar que a perfeição cristã por mais que tenha
recebido objeções, contudo é bíblica e essencial para a vida cristã. Ele expõe
que a perfeição cristã não é a perfeição dos anjos e nem a perfeição que
continha em Adão. Porém, a perfeição que Wesley relata consiste em: 1) obedecer
ao gentil mandamento do Senhor: Amar a Deus e ao próximo; 2) “ter a mente que
também estava em Cristo Jesus”, pensando em “tudo que é santo, tudo que seja
amável”; 3) em ter os frutos do Espírito: amor, alegria, paz; longanimidade,
gentileza, bondade, fidelidade, mansidão e temperança; de maneira que todos
estejam unidos como em um só; 4) em ser recriado, em Jesus Cristo, na retidão e
verdadeira santidade; 5) em santidade de vida e de coração; 6) em ser santificado
e preservado da culpa; 7) oferecer-se a Deus em sacrifício, entregando a Ele
todos os pensamentos, palavras e ações; 8) obter a salvação dos pecados
mediante a Jesus Cristo.
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