Por Roger Olson é um teólogo Arminiano de persuasão evangélica Batista
Para milhões de pessoas, nenhuma palavra soa tão bem
quanto "liberdade". Nos comerciais de televisão, anuncia-se que a
compra de um automóvel ou uma viagem àquele destino paradisíaco trarão a
liberdade de que o telespectador tanto precisa. Datas festivas, como a da
independência de um país, também são saudadas como símbolos de liberdade, e boa
parte dos hinos nacionais a mencionam. Políticos, homens de negócios,
publicitários, vendedores, chefes militares – todos sabem como usar essa
palavra para chamar a atenção de seus públicos e atrair interesse. Sim, poucas
palavras são tão comuns e, ao mesmo tempo, carregam tamanho significado.
A palavra liberdade também é encontrada diversas vezes
nas Escrituras e na tradição cristã. Qualquer crente que conheça minimamente a
Bíblia já se deparou com versículos que dizem coisas como "a verdade vos
libertará" (João 8.32) e que "é para a liberdade que Cristo vos
libertou" (Gálatas 5.1). Logo, liberdade não é um tema apenas patriótico
ou humanitário; é, também, um valor presente no Evangelho. Infelizmente, muitas
pessoas confundem dois conceitos de liberdade bastante distintos. O conceito
bíblico é bem diferente do significado cultural do termo, apesar de serem
facilmente confundidos. E nenhum desses é o mesmo que "livre-arbítrio".
Isso pode ser confuso para o cristão comum que deseja saber o que é a
verdadeira liberdade. Seria a prerrogativa de ter escolhas? Seria a ausência de
limites e restrições? Ou é o poder de fazer o que se deseja? E em que sentido
Cristo nos liberta, e em que isso difere daquilo que a mídia, constantemente,
nos promete?
No âmago do Evangelho cristão repousa uma incômoda
verdade: a de que, para sermos livres, precisamos abrir mão de tudo o que a
cultura secular nos oferece como fonte de liberdade. O Evangelho, ao que
parece, requer uma distinção entre o prazer da verdadeira liberdade e a simples
posse do chamado livre arbítrio. Não que o livre arbítrio ou a independência da
tirania seja algo ruim; apenas, nenhuma dessas coisas representam a verdadeira liberdade.
Esta, segundo o Evangelho, se encontra na obediência. E não é exatamente essa a
imagem retratada na cultura popular.
Agostinho, o grande pai da Igreja, ensinava que a
liberdade verdadeira não se trata de poder para escolher ou falta de
restrições, mas sim, de sermos aquilo que fomos chamados a ser. Os seres
humanos foram criados à imagem de Deus; a liberdade verdadeira, portanto, não é
encontrada ao nos distanciarmos dessa imagem, e sim, se a vivenciarmos. Quanto
mais nos conformamos à imagem de Deus, mais livres nos tornamos – em
contrapartida, quanto mais nos distanciamos disso, mais perdemos nossa
liberdade.
De uma perspectiva cristã, então, a liberdade –
paradoxalmente – é um tipo de cativeiro. Martinho Lutero foi quem expressou
essa verdade da melhor maneira, desde o apóstolo Paulo. Em seu tratado de 1520,
A liberdade de um cristão, o reformador sintetizou a ideia em poucas palavras:
"O cristão é o senhor mais livre de todos e não está sujeito a ninguém; o
cristão é o servo mais obediente, e está sujeito a todos". Em outras
palavras, de acordo com Lutero, por causa do que Cristo fez e por causa de sua
fé no Salvador, o cristão se tornou completamente livre da escravidão da lei.
Ele não precisa fazer nada. Por outro lado, em gratidão pelo que Jesus fez por
ele e nele, o cristão está preso no serviço a Deus e ao próximo. Ele tem a
oportunidade de servi-los com alegria e liberdade. Logo, quem não entende o
significado dessa oportunidade simplesmente não experimenta a alegria da
salvação. Foi isso que Lutero quis dizer.
OBEDIÊNCIA E SERVIDÃO
Pulando do século 16 para o 20, e de um reformador do
magistério para um teólogo anabatista radical, temos John Howard Yoder
escrevendo, em A política de Jesus, acerca de "subordinação
revolucionária". Segundo ele, não é possível encontrar a verdadeira
liberdade focando em nossos próprios direitos, mas sim, entregando-os
livremente, sendo servos de Jesus Cristo e do povo de Deus. Tudo isso, claro, é
bastante difícil para ocidentais do século 21 engolirem. Somos herdeiros do
Iluminismo, vítimas de uma lavagem cerebral feita pela ênfase da modernidade no
individualismo e na liberdade. Somos bombardeados, desde a infância, com a
mensagem de que a liberdade significa autoafirmação, reivindicação de nossos
direitos, ausência de restrições e senhorio sobre nós mesmos. A maior virtude
defendida pela sociedade contemporânea é a de "ser verdadeiro consigo
mesmo". Em outras palavras, é como se cada um dissesse, o tempo todo:
"Não me limite!".
Acontece que nenhuma verdade é mais difundida nas
Escrituras e na tradição cristã do que a de que a verdadeira liberdade se
encontra na obediência e na servidão. E, ao mesmo tempo, nenhuma verdade está
mais em desacordo com a cultura moderna. Nesse ponto, nos encontramos diante de
duas alternativas: a mensagem do Evangelho a respeito da verdadeira liberdade
versus a mensagem cultural da autonomia e do "vivo como quero".
O contraste que há entre a verdade do Evangelho e seu substituto satânico começa a se desenrolar em Gênesis, na história da criação e da queda. De acordo com Gênesis 2, Deus deu liberdade aos primeiros seres humanos: "De toda árvore do jardim comerás livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás". Condicionados como estamos pela modernidade e sua obsessão por autonomia, nossa primeira reação é o questionamento: "Como isso pode ser liberdade?" - afinal, para nós, liberdade com limitação não é liberdade.
O contraste que há entre a verdade do Evangelho e seu substituto satânico começa a se desenrolar em Gênesis, na história da criação e da queda. De acordo com Gênesis 2, Deus deu liberdade aos primeiros seres humanos: "De toda árvore do jardim comerás livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás". Condicionados como estamos pela modernidade e sua obsessão por autonomia, nossa primeira reação é o questionamento: "Como isso pode ser liberdade?" - afinal, para nós, liberdade com limitação não é liberdade.
Sabemos, entretanto, como esse tipo de liberdade foi
compreendida por Adão e Eva, assim como por toda a raça humana. Trata-se de uma
história de vergonha, alienação, inimizade e morte – em suma, a antítese
absoluta da liberdade. Em Paraíso perdido, John Milton parodiou a raiva da
humanidade por causa de suas limitações na declaração de Lúcifer: "Melhor
reinar no inferno do que servir no céu!". Fica a questão: Quando Adão e
Eva estavam mais livres? No Jardim do Éden, quando podiam comer de todas as
árvores, exceto uma? Ou depois, quando perderam o Paraíso e ficaram "livres"
para comer de tudo o que quisessem? As implicações do ocorrido no início são
inevitáveis: a verdadeira liberdade é encontrada apenas através da obediência a
Deus e da comunhão que a acompanha. Já sua perda se dá com a autoafirmação, o
desejo idólatra de cada um governar seu "pedacinho de inferno", em
vez de desfrutar das bênçãos do favor de Deus.
Toda a narrativa bíblica pode ser lida como um drama
sobre a liberdade e sua perda através do desejo e da tentativa do ser humano de
aproveitar uma autonomia irrestrita. Tome-se como exemplo as frequentes
rebeliões de Israel e sua consequente perda de proteção divina; ou a atitude de
Davi diante de sua redescoberta da alegria na obediência às leis de Deus; e
também os chamados de trombeta dos profetas para que Israel e Judá guardassem a
lei do Senhor – e a subsequente perda da liberdade do povo, por ter insistido
em fazer as coisas à sua maneira.
Em nenhum outro trecho bíblico esse contraditório tema
ficou mais claro do que no Novo Testamento. Jesus disse a seus discípulos:
"Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a
sua vida por amor de mim, achá-la-á". E, mais uma vez, ele disse aos que o
seguiam: "Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos
sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo" (Mateus
20.26-27). É verdade: o apóstolo Paulo falou diversas vezes sobre nossa
libertação, em Cristo, de uma obrigação externa, ou seja, da lei. A confiança
em Jesus é, de acordo com ele, a única base para um relacionamento correto com
Deus. Por outro lado, ao longo de suas epístolas, ele nos aconselha a abrir mão
de nossos direitos e liberdades em prol da propagação do Evangelho e da
proteção da consciência das outras pessoas. Paulo encontrou a verdadeira
liberdade ao abrir mão de seus direitos: "Porque, sendo livre para com
todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais" (I Coríntios 9.19).
AMOR SACRIFICIAL
O tema da liberdade através da obediência e servidão é
tão predominante no Evangelho que é difícil deixá-lo passar despercebido. No
entanto, isso, muitas vezes, acontece devido à ênfase dada à autonomia por
nossa cultura. Então que tipo de obediência traz a liberdade verdadeira? Em
primeiro lugar, e contrariamente à opinião popular, não se trata de uma obediência
imposta. Não se trata de obedecer à vontade de Deus porque tememos as
consequências da desobediência. A obediência ao Evangelho é sempre voluntária.
No momento em que a obediência a Cristo se torna penosa, ou mero conformismo
relutante, não é mais a obediência do Evangelho. Somente quando a obediência é
prazerosa, resultado de gratidão, ela proporciona liberdade verdadeira, a que
vem quando somos aquilo que fomos criados para ser.
Em segundo lugar, a obediência que traz liberdade
verdadeira é motivada pelo amor sacrificial. Yoder descreve profeticamente esse
tipo de servidão como "subordinação revolucionária", onde cada crente
busca o bem dos outros sem tentar fazer valer seus próprios direitos. Em uma
comunidade onde todos vivem dessa forma, em gratidão a Jesus Cristo,
capacitados pelo seu Espírito, a verdadeira liberdade é abundante.
Então, qual a relação de tudo isso com o e tem como livre
arbítrio? Liberdade, então, não significa nada além de livre arbítrio? É claro
que não. Se, por "liberdade" queremos dizer a liberdade do Evangelho
– na servidão, tornamo-nos aquilo que Deus deseja de nós, na obediência a
Cristo e em nossa transformação à sua imagem, algo bem mas profundo que o
simples exercício do livre arbítrio. Isso é algo em que arminianos – e que
creem que o homem é livre para escolher – e calvinistas, que acreditam na
escravidão da vontade e soberania absoluta de Deus, poderiam concordar. Os
arminianos evangélicos acreditam que a verdadeira liberdade transcende o livre
arbítrio, que, nessa análise, seria simplesmente da capacidade dada por Deus
para escolhermos a verdadeira liberdade, oferecida pela graça, ou a rejeitarmos
devido à nossa obstinação egocêntrica.
Nem todos os cristãos creem no livre arbítrio. Lutero era
um deles. Mas não é essa a questão. Quer alguém creia ou não, a liberdade
verdadeira é outra coisa, e não contradiz o livre arbítrio; ela simplesmente o
transcende. Todos os cristãos concordam que a autêntica liberdade, aquela que
procede da obediência a Cristo e da conformidade à sua imagem, é um dom de Deus
que iremos desfrutar plenamente quando formos glorificados com ele. É sobre
isso que Paulo fala em Romanos 7: aqui na terra guerreamos entre a
"carne" – a natureza caída – e o Espírito, dom de Deus, que habita em
nós. Nesse ínterim, enquanto aguardamos nossa plena glorificação, crescemos em
liberdade apenas ao trocarmos uma atitude de submissão à lei por um novo
coração que se deleita em obedecer a Cristo. Pela graça de Deus, e com a ajuda
de seu Espírito, podemos perceber uma liberdade ainda maior do pecado e da
morte. Mas a liberdade em sua plenitude só vem após nossa ressurreição.
Teólogos chamam de "santificação" o processo
pelo qual se experimenta gradualmente a autêntica liberdade antes da morte. Há
muitas opiniões divergentes a respeito de quão intensa e completa tal liberdade
pode ser antes da ressurreição. Todos, porém, concordam que a liberdade
verdadeira é um dom que recebemos aos poucos, ao longo da vida. Paulo foi claro
em sua carta aos crentes de Filipos: "Desenvolvei a vossa salvação com
temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade". A salvação, em outras palavras, é
tanto dom quanto missão. O "porque" usado por Paulo indica que o dom
está na base da missão. Somos chamados, em um exercício de livre arbítrio, a
obedecer e servir. Trata-se de uma decisão nossa.
GRAÇA x LIVRE ARBÍTRIO
Por outro lado, sempre que experimentamos essa liberdade
maior que vem da obediência genuína e somos conformados ao caráter de Cristo,
nos tornando servos verdadeiros, reconhecemos que é tudo devido à obra de Deus
em nós. É esse o paradoxo da graça e do livre arbítrio. A graça de Deus, que
deseja nos conceder a liberdade, está presente, desde o momento da nossa
conversão. A graça nunca nos falta, nem precisa ser reforçada. Mas pode, no
entanto, ser bloqueada por atitudes e hábitos indevidos, ressentimentos e
atitudes egoístas. Cabe a nós encontrá-los – com a ajuda do Espírito, é claro –
e trabalhá-los através de um processo de arrependimento e submissão. O livre
arbítrio, assim, é uma condição necessária a esse processo, mas não o resultado
final. Tal processo não leva à autonomia absoluta, mas sim, a uma liberdade
crescente do jugo do pecado e da morte. Já estamos livres da lei e da
condenação; portanto, a liberdade para nos tornarmos o que Deus planejou é
trabalho dele e nosso também – a glória, porém, é toda do Senhor.
O Evangelho é uma boa nova incondicional. Não precisamos
fazer algo ou obedecer a alguém; isso seria horrível. Não; o Evangelho
trata-se, de fato, de poder fazer algo, o que é sempre positivo. Trata-se do
que podemos ter à medida que permitimos, de bom grado, que Deus, através do seu
Espírito, faça sua obra em nós: a certeza da vitória sobre o pecado e a morte.
Apenas quando abraçarmos essa vitória – e renunciarmos a todas as
reivindicações para governar nossas próprias vidas – é que seremos
verdadeiramente livres.
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