Por Nicholas Thomas Wright
( Pastor Anglicano e prof. de Novo Testamento e cristianismo primitivo na Universidade de St. Andrews)
Não
há acordo na Igreja hoje em dia sobre o que acontece com as pessoas quando
morrem, embora o Novo Testamento seja claro sobre o assunto. Paulo fala da
“redenção do nosso corpo” em Romanos 8.23. Não há espaço para dúvidas sobre o
que ele quer dizer: ao povo de Deus é prometido um novo tipo de existência
corporal, a completude e redenção da nossa vida corporal presente. O resto dos
primeiros escritos cristãos, onde este assunto é abordado, estão em completa
sintonia com istoO quadro
tradicional de pessoas que vão para o céu ou para o inferno como uma jornada
pós-morte, com um estágio de duração, representa uma séria distorção e
diminuição da esperança cristã.
A ressurreição do corpo não é nada diferente
desta esperança – é o elemento que dá forma e significado ao resto da história
dos últimos propósitos de Deus. Se resumida, como muitos têm feito, ou até
deixada de lado, como outros fizeram explicitamente, perde-se esta visão extra,
uma espécie de “peça central” da fé, que a faz funcionar. Quando falamos com
precisão bíblica sobre a ressurreição, descobrimos uma base excelente para um
trabalho cristão criativo e vivo no mundo presente, e não, como alguns supõem,
mero escape ou devoção sacrificial.
Enquanto
o paganismo greco-romano e o judaísmo possuíam uma grande variedade de crenças
sobre vida após a morte, os primeiros cristãos, a começar por Paulo, eram
memoravelmente unânimes acerca do tema. Quando Paulo fala, em Filipenses 3,
sobre a “cidadania dos céus”, o apóstolo não quer dizer que vamos nos aposentar
na eternidade após terminar nosso trabalho aqui. Ele diz na linha seguinte que
Jesus virá dos céus para transformar nossos corpos humilhados do presente em um
corpo glorioso como o seu. O Senhor fará isto através do seu poder, já que tudo
está sob o seu domínio. Esta declaração contém, em suma, mais ou menos o que
Paulo pensa sobre o assunto. Jesus ressurreto é tanto o modelo para o corpo
futuro dos cristãos como a forma pela qual este corpo chegará.
O
corpo ressurreto de Jesus, que para nós é quase inimaginável neste momento em
toda a sua glória e poder, será o modelo para o nosso próprio corpo. Mas a
passagem mais clara e forte é a de Romanos 8.9-11. Se o Espírito de Deus habita
em alguém, então aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos dará vida a
seu corpo mortal. Outros escritores do Novo Testamento apóiam essa idéia. A
primeira carta de João declara que, quando Jesus aparecer, seus servos se
tornarão como ele, pois o verão como é. Cristo reafirma a ampla expectativa dos
judeus sobre a ressurreição no último dia e anuncia que a hora já havia
chegado: “Eu lhes afirmo que está chegando a hora, e já chegou, em que os
mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e aqueles que a ouvirem, viverão”. De
outra feita, garante: “Não fiquem admirados com isso, pois está chegando a hora
em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão – os que
fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão
para serem condenados”.
É
claro que haverá uma futura completude envolvendo a última ressurreição. A
compreensão teológica em Lucas não deixa dúvidas, sobretudo no que se refere à
passagem do ladrão da cruz – aquele que ouviu do Salvador as seguintes
palavras: “Hoje, estarás comigo no paraíso”. Lucas deve ter compreendido tal
afirmação como uma referência a estar na eternidade. Com Jesus, a esperança
futura chega ao presente. Para aqueles que morrerem na fé, antes do acordar
final, a promessa central é estar com Jesus de uma vez. “Meu desejo é partir e
estar com Cristo, o que é muito melhor”, disse Paulo.
Aqui
precisamos discutir o que Jesus quer dizer quando declara que “há muitas
moradas” na casa de seu Pai. Tal descrição tem sido muito utilizada, não só no
contexto de perdas para dizer que os mortos (ou pelo menos os cristãos que
partem) simplesmente irão para o céu permanentemente, ao invés de serem
ressuscitados subsequentemente para uma nova vida corpórea. Mas a palavra
“moradas” – monai –, é regularmente usada no grego antigo não para designar um
lugar de descanso final, mas para um local temporário, em uma jornada que
levará a outro lugar no final. Isto se encaixa às palavras de Jesus para o
criminoso na cruz: “Hoje você estará comigo no paraíso”. Apesar de uma longa
tradição de erros na leitura, “paraíso”, aqui, não significa o destino final,
mas um jardim, uma terra de descanso e tranqüilidade, onde os mortos encontram
refrigério enquanto esperam pelo fim do novo dia.
A
questão principal da frase está no aparente contraste entre o pedido do
criminoso e a resposta de Jesus: “Lembra-te de mim quando entrares no teu
Reino”, o que significaria que isso seria num tempo distante no futuro.
Contudo, a resposta de Jesus traz a esperança futura para o presente,
significando que com a sua morte, o Reino de Deus é chegado, apesar de não
parecer nada com aquilo que as pessoas imaginavam. Tal certeza é sintetizada na
sua célebre frase: “Hoje você estará comigo no paraíso”.
A
ressurreição então aparecerá com o significado da palavra no mundo antigo,
quando não era uma forma de falar sobre a vida depois da morte. Era uma forma
de referir-se sobre uma nova vida do corpo após quaisquer estados de existência
as pessoas entrariam com a morte. Era, em outras palavras, a vida após a vida
após a morte. O que dizer então sobre passagens como I Pedro 1, que fala sobre
a salvação que está “guardada nos céus”, para que no presente creia que
receberá “a salvação de suas almas”? O Cristianismo ocidental nos dirige em uma
direção equivocada. A maioria dos Cristãos hoje, ao ler uma passagem como esta,
assume que o significado seja que o céu é aonde você vai para receber esta
salvação, ou até, que a salvação consiste em “ir para o céu quando você morre”.
A forma como agora
compreendemos a linguagem no mundo ocidental é completamente diferente do que
Jesus e seus ouvintes compreendiam e significavam. Para começar, o céu é na
realidade uma forma reverente de falar sobre Deus, portanto as “riquezas do
céu” significam simplesmente “as riquezas da presença de Deus”. Mas, por
derivação deste primeiro significado, o céu é o lugar onde os propósitos de
Deus para o futuro estão armazenados. Não significa o local onde eles devem
ficar e, portanto, você deve ir até lá para aproveitá-los. É onde estão
guardados até o dia em que se tornarão realidade na terra. A herança futura de
Deus, o novo mundo incorruptível e os novos corpos que habitarão o mundo novo,
já estão guardados, esperando por nós, para que apareçam no novo céu e nova
terra.
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