Por Ronaldo Lindório ( Dr. em Antropologia e missionário transcultural)
A
ligação entre a espiritualidade cristã (como seguimos a Cristo) e
a missão (como O servimos) é um assunto que carece de frequente
reflexão, especialmente quando o abismo entre a fé e a vida parece
crescer. Em nossos dias há um claro descompasso entre o conhecimento
adquirido bíblico e teológico e o cumprimento da missão.
John
Knox já nos alertou que a ponte entre o conhecimento e a
transformação é o quebrantamento. Ou, em outras palavras, a única
maneira de traduzirmos o que cremos, ouvimos e pregamos para a forma
como vivemos é passando por um quebrantamento de coração.
Um
dos fatos bíblicos mais fantásticos e significativos foi, sem
dúvida, o Pentecostes. Nele, em um só momento, a Igreja foi
conduzida pelo Espírito e caminhou para cumprir a missão.
Segundo
Julius, o Pentecostes era um evento bastante frequentado que
acontecia sob clima de reencontros, já que judeus que moravam em
terras distantes empreendiam, nesta época do ano, longas jornadas
para ali estar no quinquagésimo dia após a Páscoa.
Na
descrição do capítulo 2 de Atos, o Espírito Santo é a pessoa
central e Lucas é justamente o autor sinóptico que mais fala
sobre Ele, utilizando expressões como ungido pelo Espírito, ou
poder do Espírito, ou ainda dirigido pelo Espírito (Lc
3:21; 4:1, 14, 18), demonstrando que na teologia Lucana o Espírito
Santo era realmente aquele que viria para levar a Igreja a se parecer
mais com Cristo.
Chegamos
ao momento do Pentecostes. Fenômenos estranhos aos de fora e
incomuns à Igreja aconteceram neste dia. A Bíblia resume os
acontecimentos ao falar de um vento impetuoso (no grego echos,
usado para o estrondo do mar); línguas como de fogo que pousavam
sobre cada um; ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a
falar em outras línguas.
Lucas
fecha a descrição com a expressão no verso 4: segundo o Espírito
lhes concedia.
O
texto no verso 4 utiliza os termos eterais glossais para afirmar que
eles falaram em outras glosse línguas expressão usada para
línguas humanas, idiomas.
A
fim de não deixar dúvidas, no versículo 8 o texto nos diz que cada
um ouviu em sua própria língua, usando aqui o termo dialekto
que se refere aos dialetos ali presentes. O grande milagre, nesta
ocasião, não se deu na boca de quem falou, mas no ouvido dos
ouvintes, cada um compreendendo a mensagem em sua própria língua.
Em
meio a este cenário atordoante (vento, fogo, som, línguas) o
improvável acontece. Aquilo que seria uma experiência espiritual
interna para 120 pessoas chega até as ruas. O caráter missionário
do Evangelho é exposto e torna-se perceptível: o que o Senhor
desejava demonstrar no Pentecoste é que este poder dinamis de
Deus não havia sido derramado apenas para atos de contemplação
em um culto cristão restrito, mas sobretudo para a proclamação do
nome de Jesus.
Em
um só momento Deus fez cumprir não apenas o recebereis poder,
mas também o sereis minhas testemunhas. A Igreja revestida
nasceu com uma missão: testemunhar de Jesus.
Muitos
se convertem e a Igreja passa de 120 crentes para 3.000, e depois
5.000. Não sabemos o resultado daqueles representantes de quatorze
nações voltando para suas terras com o Evangelho vivo, mas podemos
imaginar o quanto o Evangelho se espalhou pelo mundo a partir deste
episódio.
No
verso 37 lemos que, após o sermão em que Pedro anuncia a Cristo,
compugiu-se-lhes o coração. O termo usado para compungir
vem de katanusso, usado para uma forte ferroada. A Palavra afirma
que naquele dia foram acrescentadas quase três mil almas. O
Espírito Santo usava o cenário do Pentecostes para alcançar homens
de perto e de longe, gerando arrependimento e mudança de vida.
Algo
que aprendemos neste texto é que a presença do Espírito Santo leva
a mensagem de Cristo para as ruas, para fora do salão e do templo. A
genuína presença do Espírito a verdadeira espiritualidade
gera um caráter missionário na Igreja e faz crescer a disposição
para o serviço.
Nossa
herança de espiritualidade provinda do Pentecostes precisa nos levar
a sermos uma Igreja nas ruas, não enclausurada, uma Igreja
cristocêntrica com amor e tolerância entre os irmãos, não
segmentada ou partidária, uma Igreja cuja bandeira é Cristo e não
ela própria! E, por fim, uma Igreja proclamadora, que fala de Cristo
perto e longe.
Parece-me
que uma Igreja quebrantada de coração e conduzida pelo Espírito
vai sempre para as ruas, onde estão aqueles por quem Jesus morreu.
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