Por: Pastor e Missionário líder da casa amarela Mauro Cruzeiro.
Um dia desses eu estava num “bonde” em meio ao lixo no Jardim. Sim, éramos uns oito adultos e mais de vinte crianças. Estávamos fazendo um “tour” no local. Não é algo belo ou agradável, devo admitir, mas fazemos isso de vez em quando; Fechamos a Casa Amarela e vamos dar um rolê com todos, e por eles gostarem disso nós curtimos também!
Em meio ao nosso passeio e em meio a muitas nuvens de moscas nos deparamos com um enorme mar de lixo e mais ainda, nos deparamos com uma montanha de lixo em meio a este mar e muita mosca em torno dela. Ao passar o primeiro grupo pela montanha de lixo, eu era um dos últimos do pelotão, e ao olhar para a montanha de lixo e vencer nuvens de moscas me deparei com uma das cenas mais impactantes que já presenciei: um pequeno, que chamarei de Jesus, estava abaixado no sopé da tal montanha e se deliciava com batatinhas fritas da famosa loja de hambúrguer. Sim, “Jesus” estava ali!!! Comendo do lixo, assustado, abaixado, apressado, querendo esconder de nós o que fazia, mas sem conseguir esconder sua alegria, pois saboreava algo que poderia ser apenas naquele dia.
Estava comendo o que os ricos comem, imagino seu súbito pensamento. Claro! Seu perfil de vida não lhe permite isso amiúde. Ele sabe bem, mora na favela, não tem regalia, instrução, estrutura, comunhão… Ainda não desfrutou de um momento família em sua plenitude e seus requisitos. Sua vida é praticamente um ato heróico de sobrevivência. Seu diário de bordo fala de miséria, fome, ausência, violência doméstica, paternidade atrofiada, comida “reciclada”… Talvez “Jesus” aguardasse ansiosamente por tão grande “sorte”. Em meio ao chorume, às bactérias, ao lixo… “Jesus” achou seu prêmio! Batatinha frita!
“Jesus” não tinha vergonha, pois sua fome era maior. Os “riquinhos” como nos chamam, que não costumam estar por perto, estavam bem ali ao seu redor. Mas a sua sorte foi tão grande que ele não hesitou…
Naquele momento em que me deparei com o cenário dei um grito! Gritei veementemente contra sua atitude desumana, sua vida miserável, sua infância machucada. Gritei para que saísse dali e fui em sua direção, porém ele ainda pegou mais uma e a engoliu como quem guardasse provisão, estendendo sua efêmera vitória sobre a fome e vulnerável vida e prolongando seu prazer diante da comida.
Cheguei tarde demais!
O grito que dei assustou o inocente menino que envergonhado se uniu ao grupo, mas o grito que dei reverberou ainda mais forte nas minhas entranhas… A minha alma entrou em crise.
Cheguei tarde demais!
Mas não foram apenas alguns minutos que me fizeram chegar tarde, não foi a ocasião de estar com ele e impedi-lo de tal ato. Isto na realidade não mudaria tanta coisa se eu chegasse antes da primeira batatinha. Elas existem aos montes no lixo. Pois os mesmos que compram são os mesmos que desperdiçam.
Cheguei tarde demais na humanidade decaída, na infância roubada, na casa falida, família quebrada, dilacerada…
Cheguei tarde demais a entender o Reino de justiça que abriga a todos, dá guarida, muda a história e coloca o pão na mesa com dignidade…
No cenário do lixo cheguei depois de algumas batatinhas, mas na vida cheguei depois de muita coisa fora do lugar, problemas geracionais, assistencialismo que empobrece mais ainda o pobre, que só o vê como coitadinho, falta de discernimento da “humanidade do homem” e outros tantos.
Cheguei tarde demais para ele porque gastei demais comigo mesmo.
Sim cheguei tarde demais!
O lixo não é tão ruim assim, porque o ser humano, na verdade, também não é tão humano assim. É vida que segue quase em harmonia.
Cheguei tarde porque a dor do outro não dói igual, não dói em mim. E quando dói resolvo com orações.
Aliás cheguei tarde porque estava orando!
Porquê estava planejando
Estava me preparando,
Estava pedindo para o céu se abrir mais uma vez…
E Estava tentando entender o amor de Deus, que ama de tal maneira…
E penso que não entendi,
por isso cheguei depois.
Depois da desgraça de vida
Da humanidade decaída, da infância roubada, da casa falida, família quebrada, dilacerada.
Sim, cheguei tarde demais…
Mas daquinão saio
Estou juntando os pedaços
Limpando os escombros
Roçando ervas daninhas…
Estou tratando feridas
Lidando com a lida
Chorando com os que choram chorando para outros rirem
Estou tentando…
Eu sei que cheguei tarde
Mas não voltarei cedo
Vou ficar aqui
Vou dar rolê
Vou gritar mais vezes
Vou lanchar com eles…
Gastar a vida
E com esta vida
Impedir “Jesus” e outros
De comer no lixo
Cheguei tarde para ontem e hoje
Mas amanhã
O sol nasce de novo.
Deus te abençoe!
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